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Opinião

Exercício físico e doença oncológica


Eduardo Oliveira

MAMA HELP: Centro de Apoio a Doentes com Cancro da Mama.



Durante vários anos, as recomendações para os pacientes com cancro foram o repouso e evitar o esforço físico. Estas recomendações tinham uma base empírica, visto que a doença e o tratamento estavam associados a alterações funcionais que promovem uma diminuição da performance física e que, de certa forma, o exercício poderia agravar determinados sintomas como a fadiga ou a dor.

A literatura demonstra que aproximadamente 70% da população com cancro reporta sensações de fadiga e de astenia durante a radioterapia, a quimioterapia ou após cirurgia. Para além disso, cerca de 30% da população que sobrevive ao cancro continua a manifestar sinais de fadiga persistente. A fadiga relacionada com o cancro pode ser entendida como um estado subjetivo de fadiga relacionado com o tratamento do cancro que interfere nas tarefas do quotidiano.

Este estado distingue-se da fadiga normal por ser excessiva, constante e persistente ao longo do tempo e não responde ao descanso. Durante o tratamento, pode estar relacionada com o tipo de tratamento, estado psicológico, qualidade de sono, dor, diminuição da atividade física e anemia.

Recentemente, algumas evidências científicas têm questionado de forma significativa os preconceitos existentes sobre a relação entre o exercício físico e a fadiga relacionada com cancro. Através do exercício físico, pretende-se oferecer uma estratégia que visa atenuar a fadiga associada ao cancro e proporcionar uma melhoria da qualidade de vida, durante e após a fase de tratamentos.

Estudos recentes demonstram que o exercício moderado pode atuar como coadjuvante terapêutico durante as fases de quimioterapia ou de radioterapia, com efeitos muito benéficos na ajuda ao tratamento. Ou seja, devido à acentuada situação de destreino verificada nos doentes oncológicos durante o tratamento, apenas é possível realizar atividades que requeiram poucos movimentos.

Nesta situação, o exercício demonstra-se como potenciador da função aeróbia/muscular e da qualidade de vida. O exercício físico atua como uma forma não farmacológica na diminuição da sensação de fadiga e dor, possibilitando uma melhoria do bem-estar e da qualidade de vida. Assim, o exercício pode ter impacto em três grandes sistemas do corpo humano: cardiovascular, muscular e ósseo.



Durante o tratamento ao cancro, o exercício pode ter um efeito positivo no sistema cardiovascular, reduzindo a cardiotoxicidade do tratamento de quimioterapia e ao prevenir a atrofia cardíaca por acamamento.

Para além disso, pode melhorar o sistema de transporte de oxigénio através da estimulação da eritropoietina – e, assim, prevenir estados de anemia –, melhora o volume pulmonar e pode ser uma estratégia de diminuição do risco de fibrose pulmonar e de lesão na membrana alveolar.

Por todas estas vantagens, o exercício físico tem demonstrado ser uma forma eficaz e segura de melhorar a qualidade de vida geral. A melhoria da função muscular é também um dos objetivos do programa de exercício para doentes oncológicos, visto que atua na prevenção da atrofia muscular que, por vezes, é induzida pela doença, pelos tratamentos e pela inatividade física.

Consequentemente, melhora a capacidade de contração muscular e aumenta os níveis de força. Estudos recentes demonstram também que o exercício físico, supervisionado e controlado na intensidade, pode diminuir a pró-inflamação tumoral e, assim, diminuir temporariamente a sensação de fadiga muscular.

A utilização do tratamento hormonal no caso do cancro da mama ou da próstata pode ter como efeito adverso a perda da densidade mineral óssea, progredindo para estados de osteoporose. Está descrito que, nesta situação, a perda da densidade mineral óssea, de 3 a 5% nos primeiros anos de tratamento, resulta no aumento da incidência de fraturas. Assim, o exercício não só tem um papel importante na prevenção do cancro da mama ou da próstata como também previne os efeitos adversos que possam ocorrer durante a terapia, tendo um impacto ósseo positivo.

A prescrição do exercício físico tem de ser realizada com base na história clínica de cada doente e com sustentação numa avaliação individual, para que o seja uma forma específica e personalizada, com base na frequência, intensidade, duração e tipo de exercícios. Neste sentido, o conhecimento das alterações funcionais e estruturais dos pacientes com cancro durante e após o tratamento e o conhecimento sobre o mesmo, torna-se fundamental para o desenvolvimento de programas de prevenção da fadiga relacionada com o cancro.

Uma nota importante é a autorização do médico oncologista para a realização de exercício físico durante o tratamento. Apesar do conhecimento científico sobre os benefícios do mesmo durante o tratamento em doentes oncológicos, há fases do tratamento em que este deve ser realizado de forma muito controlada ou mesmo evitado temporariamente.

Casos como linfedema, estados de anemia ou neutropenia, esvaziamento axilar (cancro da mama) ou cancro da mama metastático são alguns dos casos em que o exercício obedece a critérios muito específicos na sua operacionalização. Por isso, o exercício deve ser prescrito e acompanhado sempre através de equipas multidisciplinares, nomeadamente com médico oncologista e profissional de exercício físico.



Artigo publicado na edição de maio do Jornal Médico.

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