«Envelhecimento e cuidados paliativos: viver com dignidade até ao fim»
Adriana Neves Coelho
Enf.ª especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica na área de Enfermagem à Pessoa em Situação Paliativa. Prof.ª adjunta na Escola Superior de Enfermagem da Univ. Coimbra - Unidade Científico-Pedagógica Enfermagem do Idoso. Investigadora na UICISA E.
O aumento da esperança média de vida é um dos grandes triunfos da modernidade. Nunca tantas pessoas viveram tantos anos e, simultaneamente, nunca a sociedade se confrontou de forma tão direta com os desafios do envelhecimento. Portugal é, atualmente, um dos países mais envelhecidos da Europa, com cerca de 24% da população acima dos 65 anos, estimando-se que esta percentagem continue a crescer nas próximas décadas.
Este envelhecimento demográfico está associado a uma maior prevalência de doenças crónicas avançadas, progressivas e incuráveis, como as demências, a insuficiência cardíaca, a doença pulmonar obstrutiva crónica ou as doenças oncológicas. Estas condições acarretam frequentemente fragilidade e dependência, originando sofrimento não apenas físico, mas também psicológico, social e espiritual, com impacto significativo nas famílias cuidadoras.
Neste cenário, torna-se evidente que o envelhecimento da população constitui uma das principais prioridades em saúde, já que a dimensão e a complexidade das necessidades das pessoas idosas exigem respostas estruturadas e diferenciadas.
Apesar disso, muitas pessoas idosas continuam a enfrentar sofrimento evitável nos últimos anos de vida, marcado por sintomas persistentes, por vezes, desvalorizados ou insuficientemente tratados,
com impacto profundo na sua qualidade de vida. Neste contexto, os cuidados paliativos afirmam-se como uma abordagem essencial e indispensável.
Ao contrário do que, por vezes, se pensa, os cuidados paliativos não significam desistir, nem representam “não haver mais nada a fazer”. Pelo contrário, são cuidados ativos, rigorosos, totais e preventivos.
Também não são cuidados limitados a quem se encontra nos últimos dias ou horas de vida. Pelo contrário, quanto mais precocemente forem integrados no percurso da doença maior é o seu potencial para promover qualidade de vida.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, os cuidados paliativos constituem uma abordagem que melhora a qualidade de vida da pessoa e da sua família quando enfrentam doenças incuráveis ou potencialmente fatais, através da prevenção e alívio do sofrimento, com identificação precoce, avaliação adequada e tratamento da dor e de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual.
Trata-se de cuidados que afirmam a vida e encaram a morte como um processo natural, que não pretendem apressá-la, como na eutanásia, nem adiá-la artificialmente, como na distanásia. O seu foco é aliviar o sofrimento, promover conforto e qualidade de vida, e apoiar a família em todas as fases.
Preconiza-se um modelo cooperativo, onde coexistam intervenções curativas e paliativas, implementadas de forma ajustada ao percurso de doença e à complexidade das necessidades de cada pessoa.
Numa população cada vez mais envelhecida, importa sublinhar que os cuidados paliativos não são apenas um contributo desejável, mas um recurso indispensável.
A sua integração plena permite maior eficiência e eficácia na resposta em saúde, otimizando recursos, reduzindo internamentos e intervenções desproporcionadas, bem como evitando deslocações desnecessárias aos serviços de Urgência; mas, sobretudo, assegura cuidados centrados na pessoa idosa, cuidados que dignificam a sua vida, que respeitem a sua vontade e preferências.
É importante esclarecer que nem todas as pessoas idosas vão precisar de cuidados paliativos especializados. No entanto, quando o nível de complexidade das necessidades apresentadas é mais elevado, torna-se imprescindível recorrer a cuidados especializados. Para que esta diferenciação seja realizada de forma adequada, é essencial investir na formação dos profissionais, permitindo-lhes efetuar avaliações rigorosas. Ainda assim, a rigorosa avaliação e referenciação não são, por si só, suficientes.
É igualmente necessário reforçar a formação de base dos profissionais de saúde, garantindo que a abordagem paliativa esteja presente em todo o Serviço Nacional de Saúde. Paralelamente, deve ser promovida a constituição e articulação de equipas especializadas em contexto de internamento, intra-hospitalar e comunitário, capazes de cuidar das pessoas idosas com necessidades mais complexas.
Afigura-se também fundamental reconhecer que a população idosa constitui um grupo muito heterogéneo, abrangendo pessoas dos 65 aos 105 anos, com necessidades e recursos muito distintos. Por esta razão, os cuidados não podem ser uniformes nem padronizados.
A prestação de cuidados paliativos a pessoas idosas requer uma atenção particular, designadamente, a especificidades como uma avaliação minuciosa, capaz de ultrapassar limitações cognitivas ou sensoriais que dificultam a expressão dos sintomas, recorrendo a escalas adaptadas e a uma observação atenta; um planeamento partilhado com a família, com respeito pelas preferências da pessoa, nomeadamente através de diretivas antecipadas de vontade; e uma intervenção individualizada, que considere fatores como a fragilidade, a polimedicação e o risco acrescido de reações adversas.
Para que tal seja viável, é indispensável que os profissionais de saúde que prestam cuidados a pessoas idosas possuam formação em cuidados paliativos à pessoa idosa, de forma a garantir uma abordagem integral, diferenciada e verdadeiramente centrada na pessoa.
Falar de envelhecimento sem falar de cuidados paliativos é perder a oportunidade de discutir de forma séria como queremos viver até ao fim. Se todos caminhamos para a finitude, importa que esse caminho seja acompanhado de cuidados que aliviem o sofrimento, respeitem a autonomia e preservem a qualidade de vida. Na velhice, em que estamos naturalmente mais próximos desse fim, os cuidados paliativos não são apenas uma opção, mas uma resposta ética, humanizadora e indispensável para que cada pessoa possa viver e morrer com dignidade.
Nota: Este artigo de opinião foi escrito para a edição de novembro 2025 do Jornal Médico.

