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Opinião

A Enfermagem no contexto da Medicina Interna


Belmiro Rocha

Enf.º diretor do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho



Belmiro Rocha
Enf.º diretor do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho

Quem trabalha na área da saúde, nomeadamente na área hospitalar, sabe que a Medicina Interna é a especialidade médica, por excelência, das parcerias clínicas entre outros especialistas e entre médicos e outras profissões da saúde. É a especialidade que promove a visão integradora das características fisiológicas e patológicas do doente.

É também a especialidade médica com um papel incontornável no custo-efetividade das intervenções em saúde porque é a especialidade que está em todos os hospitais do país e está diretamente relacionada, nomeadamente, com grande parte dos dias de internamentos, reinternamentos e ganhos em saúde.

Também estaremos de acordo que, para um Serviço de Medicina Interna, é fundamental:
– Assegurar a prestação de cuidados de qualidade;
– Melhorar a articulação e comunicação entre o Serviço de Medicina e os centros de saúde, unidades de saúde familiares e restante comunidade;
– Otimizar o planeamento de alta, articulado com a EGA;
– Gerir os recursos afetos ao serviço de forma eficaz;
– Dar continuidade ao desenvolvimento dos projetos direcionados para o doente dependente e família;
– Continuar a desenvolver a formação em serviço, entre outros aspetos.
Ora, é neste âmbito e nesta “missão” que o enfermeiro deve ser entendido como um elemento estruturante da equipa de saúde, pelo conjunto de conhecimentos, capacidades e atitudes que detém.

Hoje em dia, a generalidade dos enfermeiros detêm formação e experiência que os devem fazer parceiros no tratamento dos doentes, bem como na dinâmica de todo o serviço. E podem e devem ser responsabilizados por isso.

Os enfermeiros, enquanto elementos desta equipa multidisciplinar de tratamento, têm papel primordial a desempenhar, qualquer que seja o modelo de cuidados utilizado.

São prestadores e gestores de cuidados e, para além dos cuidados diretos a prestar, desenvolvem, junto do doente/família, atitudes que envolvem a prevenção da doença e a promoção da saúde, através de estratégias de educação para a saúde, visando a minimização da dependência para as atividades de vida diária que decorrem da situação de doença vivenciada por cada indivíduo.

Os enfermeiros, hoje em dia, detêm conhecimentos avançados na área das patologias, das dependências, dos diagnósticos, dos procedimentos técnicos, da farmacologia, etc... Para além disso, os enfermeiros são técnicos com formação acrescida, por ex., na área da gestão do risco, controlo da infeção, formação, gestão de recursos, gestão de sistemas de informação e gestão da doença crónica, tão relevante para a organização de um Serviço de Medicina Interna.

O médico deve saber que o enfermeiro, por lei e pelo saber, pode e deve participar nesta equipa de saúde a dois níveis de intervenção:
– As intervenções interdependentes que são iniciadas por outro profissional de saúde no âmbito das suas competências e funções (por ex., a prescrição de um antibiótico feita pelo médico) e depois continuadas pelo enfermeiro;
– As intervenções autónomas decorrentes da sua própria avaliação e diagnóstico e que dão origem a procedimentos que concorrem, também, para a resolução de necessidades da pessoa doente (por ex, prescrição e prestação de cuidados relacionados com a dependência no autocuidado, na gestão do regime terapêutico ou no ensino do cuidador informal).

O médico também deve saber que existem enfermeiros generalistas e enfermeiros especialistas em diversas áreas e que uma correta gestão dos recursos deve estar centrada na rentabilização das suas competências.

Compete à chefia de enfermagem saber que papel pode desempenhar um enfermeiro (especialista), que mais-valia pode ele introduzir no processo de cuidar e criar as condições organizativas para que ele, efetivamente, o possa fazer.
Por ex., num doente com um AVC ou com sérias dificuldades respiratórias, faz todo o sentido que seja alvo de cuidados de posicionamento corretos, treino e exercício do autocuidado, cinesiterapia, etc. Para isso, devem existir (e ser aproveitados) os enfermeiros especialistas de reabilitação que o possam fazer.

Numa perspetiva de trabalho interdisciplinar, em equipa, que pretende rentabilizar as diferentes competências de cada um, o enfermeiro deve participar ativamente no plano de tratamento e intervenções junto ao doente e família. Afinal, é o enfermeiro que assegura a prestação de cuidados 24 horas por dia.

E cada vez mais as condições organizativas e os instrumentos disponíveis favorecem este desiderato. Por exemplo:
– Os sistemas de informação normalizados e interoperativos permitem o acesso a registos de enfermagem e informação clínica credível e relevante e que, por isso mesmo, deve ser considerada na prática médica para não haver duplicação de trabalho;
– O conhecimento científico do enfermeiro permite que a sua capacidade de intervenção na implementação das prescrições seja credível e relevante, pelo que o médico pode concentrar o seu esforço clínico na investigação, diagnóstico e gestão eficaz da prescrição medicamentosa e MCDT.

A detenção de outras competências não clínicas já aqui referidas permite que a intervenção do enfermeiro possa ser rentabilizada em processos credíveis e relevantes de organização da equipa e processos de qualidade, libertando o médico para a agilização dos procedimentos da alta clínica e a diminuição dos tempos de demora média de internamento.

Como sabemos, num Serviço de Medicina Interna, a quantidade e a complexidade dos diagnósticos multicausais, das comorbilidades, das várias e intrincadas dependências físicas e sociofamiliares exigem uma permanente atenção, no sentido de se conseguirem os melhores resultados clínicos, com os menores custos possíveis.

Isso só será possível se e quando se puder rentabilizar ao máximo todas as competências, se respeitar a área de influência e se responsabilizar cada um dos diferentes profissionais da equipa.

E temos de aprender a fazer isso porque as necessidades não param de aumentar e os recursos são limitados. Temos de aprender a fazer isto logo nos bancos da faculdade. É aí que se inicia um processo de crescimento e de adoção de boas práticas. Assim, no futuro, faremos e seremos ainda melhores.


Artigo publicado na edição de abril de LIVE Medicina Interna.

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