USF Horizonte celebra 20 anos: livro retrata «a luta pela reforma dos cuidados primários»
"D’Aquém e D’Além do Horizonte – Vinte anos de história" é o título do livro que vai ser lançado amanhã, no Porto, e que assinala os 20 anos da USF Horizonte da ULS Matosinhos. Tendo sido uma das primeiras unidades com Regime Remuneratório Experimental (RRE), Ana Macedo Sardinha, a autora, quis deixar “um legado aos mais novos e recordar aos mais velhos a luta pela reforma dos CSP”.
No passado dia 2 de novembro, a USF Horizonte assinalou 20 anos de existência, tendo em conta que foi uma das primeiras unidades a adotar o RRE, que antecedeu as unidades de saúde familiar (USF).
Ana Macedo Sardinha
A ideia do livro surgiu num momento marcante da vida de Ana Macedo Sardinha, médica de família da USF Horizonte, que sempre integrou o projeto. “Faço 40 anos de carreira, quando a USF faz 20 anos. Como gosto muito de escrever, decidi compilar vários momentos importantes da unidade e pedir um testemunho a todos os que nos ajudaram nesta caminhada.”
Para o livro, a autora reuniu vários tipos de materiais, tais como fotografias, notícias ou documentos. “Alguns tinha em arquivo, outros fui buscar à Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar (APMGF).”
O livro, patrocinado pela APMGF, divide-se assim em três capítulos: “As pessoas”, “O percurso” e “Os afetos”. “No primeiro percorremos todas as pessoas que trabalharam na USF, quer sejam médicos, enfermeiros, secretários clínicos, seguranças, assistentes operacionais. E, inevitavelmente, os 38 internos desta casa.”
Após a explicação do trajeto da unidade desde 1999, Ana Macedo Sardinha dedica um capítulo apenas aos afetos. “Conto com testemunhos de todos quantos contribuíram para que a USF Horizonte seja o que é hoje em dia, após se ter aventurado um pouco no desconhecido para levar em frente um sonho.”
Uma obra inclusiva, que retrata o empenho e paixão dos vários profissionais ao longo de duas décadas
“Foi difícil, mas não desistimos e conseguimos avançar para o modelo USF”
A ligação de Ana Macedo Sardinha à USF Horizonte começou quando, em 1999, o médico de família Jaime Correia de Sousa a convidou para avançar com o modelo RRE. “Inicialmente foi assustador, como é próprio de qualquer mudança. Mas era preciso fazer alguma coisa para se otimizar os cuidados primários e avançámos, acabando por ser um pedrada no charco”, recordou.
E inicialmente não foi fácil. “Passámos por muitas dificuldades, porque estava-se perante uma nova forma de prestar cuidados, que tinha impacto em termos de acessibilidade, relação médico-doente, responsabilização nos gastos, nomeadamente na prescrição de medicamentos.”
O novo paradigma não foi desde logo aceite pela Tutela nem por todos os colegas. “Olhavam-nos com alguma desconfiança na fase inicial, mesmo quando ainda não havia alterações na remuneração. E tivemos ainda de trabalhar entre 6 a 8 meses aos feriados, fins-de-semana, noites e sem ganhar mais.”
Um esforço que, apesar de tudo, valeu a pena. “Foi difícil, mas não desistimos e conseguimos avançar para o modelo USF que trouxe muito mais-valias aos profissionais de saúde, mas, sobretudo, aos utentes.”
Ana Macedo Sardinha com o atual coordenador da USF Horizonte, Luís Filipe Silva
Ao fim destes anos, o orgulho e a satisfação pelo trabalho feito convivem com a preocupação face à atual situação das USF. “Estamos numa fase de estagnação e, apesar de achar que vamos continuar a avançar, não vejo que isso venha a acontecer à velocidade que é desejável e necessária.”
Deixou assim um alerta aos jovens: “Esta nova geração tem de encontrar outras formas de trabalhar, ou seja, é preciso arregaçar as mangas e lutar para que os cuidados de saúde sejam de facto de qualidade e acessíveis.”
Victor Ramos e Rui Mota Cardoso: Dois amigos “muito especiais” e “meus mestres”
A apresentação do livro fica a cargo de Víctor Ramos, médico de família e um dos nomes históricos da reforma dos CSP, e de Rui Mota Cardoso, psiquiatra e especialista em comunicação clínica. “São dois amigos muito especiais. São os meus mestres que sempre me acompanharam e à USF, daí dizer que são ‘horizontes honorários’. Admiro-os muito profissionalmente.”
Victor Ramos e Rui Mota Cardoso
Para Víctor Ramos, o livro é “a perspetiva pessoal da Dra. Ana, sem dúvida, mas também o reflexo de uma equipa que contribuiu para a reforma dos CSP”. Em entrevista à Just News, disse mesmo que esta foi uma das USF que “de alguma forma condicionaram e inflacionaram a reforma”.
E continuou: “É muito interessante perceber que, apesar de apenas se manterem 4 pessoas do grupo fundador, a identidade perdura no tempo.”
É assim “um livro essencial na história da reforma dos CSP” e que pode deve servir de mote para outras unidades. “Cada equipa devia escrever ou expor a sua própria história também para se ter uma base de reflexão sobre estes anos.”
Rui Mota Cardoso também não ficou indiferente ao trabalho de Ana Macedo Sardinha. “É significativo o facto de ter pedido o contributo das mais variadas pessoas, dando especial atenção aos afetos.”
Uma área que diz muito ao psiquiatra. “Sempre me preocupei muito com a relação médico-doente, isto é, não nos devemos centrar na doença mas na pessoa. Hoje em dia já é algo consensual, mas à época era uma nova maneira de estar na saúde.”
A apresentação do livro decorre este sábado, às 15h30m, no Auditório da ULS Matosinhos.