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Transformação do SNS: «As UCC podem ser o epicentro da integração de cuidados»

 Proximidade! Esta é uma palavra chave para se compreender a importância do trabalho desenvolvido pelas Unidades de Cuidados na Comunidade (UCC), afirma José Lima, presidente da Associação das UCC, que sublinha o papel importante destas unidades na implementação da integração de cuidados, considerando mesmo tratarem-se de "atores fundamentais"

Agendado para dias 21 e 22 de março, o 5.º Congresso Nacional da AUCC, que decorrerá na Universidade de Évora, tem precisamente como lema "Uma associação em Prol da Comunidade".

É com orgulho que, em entrevista à Just News, José Lima destaca o trabalho desenvolvido pelas "279 UCC constituídas por 3291 profissionais", salientando: "Somos especialistas no trabalho na comunidade, mas também no trabalho comunitário." E partilha alguns "exemplos fabulosos de ganhos em saúde em projetos integrados".

Lamenta, contudo, que a publicação da revisão do Decreto-Lei das USF "perpetua as desigualdades existentes no terreno", explicando os motivos, bem como alertando para as consequências em "insistir nos erros do passado".


"Solicitamos que sejam reconhecidos a todos os profissionais das unidades funcionais dos CSP,
e em particular às UCC, os mesmos direitos e oportunidades que foram reconhecidos aos profissionais das USF."


Just News (JN) - “Reforçar as UCC” é o lema do evento. Porquê?

José Lima (JL) - O SNS deve ser adaptado às necessidades da população e, para tal, deve focar-se na promoção da saúde e na prevenção da doença, mas também na gestão e controlo da mesma. Tal obriga a uma maior articulação entre as unidades funcionais, procurando uma verdadeira interligação de cuidados para melhorar o acesso aos cuidados de saúde mais adequados para as pessoas e comunidades.

Neste contexto, as UCC são atores fundamentais para concretizar este desígnio. Podia também resumir esta questão à ideia central de que as UCC podem ser o epicentro da integração de cuidados.


José Lima 

JN - Vai moderar o debate “UCC: perspetiva legislativa e regime remuneratório”. O que pode adiantar sobre o que será abordado na sessão? O que preocupa os profissionais e o que desejam/necessitam de ver resolvido?

JL - Ao longo dos últimos dois anos, temos trabalhado de forma próxima com o Ministério da Saúde, DE-SNS, Ordens Profissionais e estruturas sindicais.

Nestas reuniões foram partilhados e alinhados três áreas prioritárias, que ainda não tiveram solução, concretamente: a revisão do Despacho 10143/2009 e transição para Decreto-Lei, para consolidar o modelo organizativo e substantivo legal das UCC; a revisão da Portaria 212/2017, que consagra a atual atribuição de incentivos institucionais apenas para USF e UCSP; e a construção de um modelo remuneratório transversal a todas as unidades funcionais, alavancado numa perspetiva de contratualização moderna, baseada no percurso clínico do utente e na obtenção de ganhos em saúde.

Na proposta que elaboramos e entregamos à DE-SNS e ao Ministério da Saúde apresentamos uma sugestão de um sistema remuneratório ligado ao desempenho para todos os profissionais das UF dos CSP.

A AUCC congrega com a DE-SNS a visão interdisciplinar e integrada dos CSP e irá desenvolver todos os esforços para consolidar o modelo organizativo e multidisciplinar das UCC para a concretizar.

Volvida mais de uma década da reconfiguração dos CSP, será altura de reforçar os mesmos com a multidisciplinaridade necessária para a resolução das necessidades da população. Assim, reduzir a imagem única dos CSP à realidade das USF não corresponde à verdade, nem às necessidades encontradas no terreno.

As UCC têm um despacho publicado há mais de uma década, tendo vindo, há diversos anos junto da estrutura do Ministério da Saúde e mais recentemente junto da DE-SNS, a defender a revisão do enquadramento legislativo, havendo uma proposta concreta para a publicação de um Decreto-Lei.

Atualmente, existem 279 UCC constituídas por 3291 profissionais. O índice de desempenho global médio das UCC no final de 2022 foi de 75,25, superior ao das USF-A. Temos várias unidades em processo de certificação ACSA, pelo que a quantidade e qualidade dos cuidados prestados é inegável. Garantimos diariamente, na casa dos utentes, 5776 vagas da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados.

A publicação da revisão do Decreto-Lei das USF perpetua as desigualdades existentes no terreno, uma vez que se perdeu a oportunidade histórica de elaborar um modelo remuneratório único baseado no desempenho e na obtenção de resultados em saúde, que reconhecesse a importância e o trabalho efetuado por todas as UF dos CSP.

Somos a favor de uma pluralidade de análise e discussão que olhe para os CSP como produto de diversos atores, cujo interesse máximo é a prestação de cuidados de saúde integrados e de qualidade voltados para a inequívoca resolução/mitigação das necessidades da população.

Solicitamos, assim, que sejam reconhecidos a todos os profissionais das unidades funcionais dos CSP, e em particular às UCC, os mesmos direitos e oportunidades que foram reconhecidos aos profissionais das USF.

A pandemia SARS-CoV-2 veio provar de forma inequívoca que os CSP são constituídos por uma pluralidade de respostas que são necessárias, efetivas e significativas. Isto não deveria ser esquecido.

Insistir nos erros do passado irá contribuir para uma maior insatisfação e ao êxodo dos recursos humanos maioritariamente diferenciados, das UCC,  pondo em risco a prestação de cuidados que durante anos, perante muitas dificuldades, sempre foi assegurada à população mais vulnerável: as grávidas, as puérperas, as crianças e jovens com necessidades de saúde especiais, a comunidade escolar, as pessoas beneficiárias de rendimento social de inserção, os cuidadores, as pessoas com dependência física e mental, entre outros.

 

 

JN - Há quanto tempo está à frente da AUCC e como tem sido a experiência? Quando termina o mandato?

JL - Sou Presidente da Direção da AUCC desde 25/09/2019, no entanto encontro-me nos órgãos da associação há mais tempo. Tem sido uma experiência muito gratificante e enriquecedora. Sempre me questionei sobre o que poderia fazer pela associação e não o contrário, ou seja, o que a associação poderia fazer por mim.

Juntamente com todos os elementos da Direção, temos alavancado a AUCC com um crescimento exponencial de associados. Temos ajudado as UCC, culminando algumas delas com a concretização do processo de certificação ACSA.

Conseguimos proximidade, reconhecimento e um trabalho muito colaborativo com as estruturas do Ministério da Saúde, com as Associações Profissionais, as várias Ordens Profissionais, os vários Sindicatos, a DGS e com todas as UCC.

Quero continuar este trabalho, mas o mandato termina este ano e por isso temos eleições logo a seguir ao 5º congresso, em abril.


JN - Apesar dos recursos limitados que têm, as UCC têm conseguido proporcionar um empoderamento cada vez maior das comunidades a nível nacional? Pode indicar alguns exemplos? 

JL - A carteira de serviços das UCC é ampla e abrangente. Acompanhamos utentes ao longo de todo o ciclo de vida e em todos os níveis de prevenção. Somos especialistas no trabalho na comunidade, mas também no trabalho comunitário.

Temos exemplos fabulosos de ganhos em saúde em projetos integrados. Ficam alguns exemplos por diferentes áreas.

Na área da gestão da doença: a ECCI com integração de cuidados com as equipas hospitalares, as equipas dos cuidados continuados integrados e as equipas de saúde familiar; os projetos de prevenção de sobrecarga e acompanhamento do cuidador, com integração de cuidados com a segurança social; os projetos de reabilitação respiratória também com integração de cuidados de diferentes contextos; e ainda os programas de gestão de doença crónica, como é exemplo a diabetes em movimento.

Na área da gestão da saúde: o acompanhamento das grávidas ao longo da gravidez, da recuperação para o parto e da massagem infantil, mais uma vez de forma integrada.

Por último, na área da intervenção comunitária, área de integração por excelência, quer com entidades de saúde, quer com entidades comunitárias, a intervenção em saúde escolar, quer na capacitação de turmas, quer no acompanhamento de crianças e jovens com NSE e todo o trabalho ao nível da rede social.

Com mais recursos poderíamos apostar ainda mais na promoção. Como sabemos, “1 euro gasto na promoção da saúde, representa um ganho de 14 euros em Serviços de Saúde amanhã.” Sublinho que “Um programa de SE efetivo … é o investimento de custo-benefício mais eficaz que um País pode fazer para melhorar, simultaneamente, a educação e a saúde”.                          



JN – O que é possível perspetivar para as UCC em contexto ULS? O que será importante implementar para que todo o potencial das UCC seja bem utilizado?

JL - Penso que se fala em crise no SNS porque este está na ordem do dia, devido ao momento eleitoral e porque a saúde, como direito inalienável proposta na constituição, é algo muito importante para as pessoas. Prefiro não falar em crise, mas em mudança ou transformação do SNS. Já existiam UCC nas primeiras ULS!

É por esta razão que há que apostar numa visão moderna de integração de cuidados, que valorize o percurso clínico dos utentes e a sua necessária interligação com os serviços de saúde e também com as entidades comunitárias. As ULS no país pretendem fazer isto!

A situação atual é a consequência esperada de alguma estagnação e incapacidades do sistema. É urgente salvaguardar e transformar o SNS!

É neste âmbito que as UCC, enquanto equipas multidisciplinares totalmente implementadas na comunidade que servem, são fundamentais na prestação de cuidados de saúde e apoio psicológico e social, de âmbito domiciliário e comunitário, especialmente às pessoas, famílias e grupos mais vulneráveis, em situação de maior risco ou dependência física e funcional ou doença que requeira acompanhamento em proximidade.

A reconfiguração dos CSP foi considerada a grande reconfiguração em Portugal, sendo reconhecida internacionalmente. O Serviço Público é muito importante e os profissionais de saúde têm-no feito e merecem reconhecimento.

Necessitamos de acreditar que vale a pena trabalhar no SNS. Precisamos de melhorar a articulação e combater os problemas de saúde das comunidades, com medidas que permitam colmatar desigualdades, quer sociais, quer económicas e geográficas.

O Futuro do SNS só será possível e interessante se decorrer de processos participados de transformação adaptativa às atuais e futuras circunstâncias. PROXIMIDADE!

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