«Temos muito a fazer para minimizar os danos humanos das doenças infeciosas»
Colmatar lacunas na gestão de doenças infeciosas e de cuidados intensivos em todos os continentes foi o tema em debate numa das sessões das Conferências do Estoril -- evento que teve lugar em outubro -- e em que o infeciologista Andre C. Kalil foi um dos protagonistas.
“Temos muito trabalho a fazer para minimizar os danos humanos de todas as doenças infeciosas e podemos fazê-lo, através de vacinas, de água e ar limpos, e da investigação clínica, ao encontrar formas de melhorar a saúde dos nossos doentes, seja através do diagnóstico, da terapêutica ou da prevenção", começou por referir Andre C. Kalil, professor na Divisão de Doenças Infeciosas do Departamento de Medicina Interna, Centro Médico da Universidade do Nebraska.
Andre C. Kalil: “A prestação de cuidados é ainda incrivelmente heterogénea”
Aquele especialista não tem dúvidas de que “a investigação clínica tem de ser parte da solução desde o início, isto é, logo na fase de desenvolvimento de medicamentos e de vacinas, antes de chegarmos a uma situação potencialmente prejudicial para os doentes”. Lembrando como “a prestação de cuidados é ainda incrivelmente heterogénea”, realçou como é fundamental “conhecer a variabilidade de recursos disponibilizados aos doentes em cada região, caso contrário, será muito mais complexo e difícil interpretar que terapêuticas irão funcionar”.
André C. Kalil destacou que, num contexto em que “conhecemos a tecnologia e sabemos como fazer, é injustificável não termos ensaios clínicos randomizados a serem realizados em todas as partes do mundo”, o que considera ser “uma das maiores desigualdades que enfrentamos globalmente nos dias de hoje”. Na realidade, “da mesma forma que se olha para o acesso a medicamentos e vacinas, é preciso garantir igualmente o acesso aos ensaios randomizados, porque estes salvam vidas e definem o que será ou não importante para determinada população local”.
Quanto ao financiamento, nota que “os próprios investigadores podem fazer parte do processo ainda durante a conceção dos ensaios, ao abordar as autoridades locais sobre a possibilidade de realizar os ensaios clínicos randomizados no seu país”. O grande objetivo é, no fundo, “dar oportunidade aos seus doentes de acederem ao medicamento que está a ser estudado, sendo que, se se verificar que é benéfico, poderão vir a ser encontradas formas de o disponibilizar à população”.
O momento do início do tratamento com antivirais “é fundamental para garantir os melhores resultados”
Uma das conclusões a que o investigador chegou analisando os estudos que têm vindo a ser realizados para avaliar a utilização dos antivirais no tratamento da COVID-19 foi precisamente a de que o momento em que se inicia a terapêutica “é fundamental para garantir os melhores resultados”.
Essa constatação é, aliás, assinalada num artigo da autoria de Andre C. Kalil e de Viviane C. Veiga, gerente executiva médica do BP Mirante, um dos hospitais de A Beneficência Portuguesa de São Paulo. Intitulado “Terapêutica da COVID-19: antivirais e moduladores da resposta imunitária”, o referido artigo constitui um dos capítulos do livro 50 Perguntas Chave sobre Infeção por SARS-CoV-2, coordenado pelos intensivistas Paulo Mergulhão e João Gonçalves Pereira e editado por Permanyer Portugal.
No caso da COVID-19, o uso dos antivirais visa “evitar a progressão da doença para casos mais graves e, potencialmente, reduzir a duração e severidade dos sintomas”, sublinham Andre C. Kalil e Viviane C. Veiga.
Apesar da “catástrofe mundial causada pela COVID-19”, em retrospetiva, destacam como esta pandemia “também deixou legados positivos na ciência, principalmente na capacidade de organização dos grupos de pesquisa para estudos colaborativos, de alta qualidade técnica, que culminaram na descoberta de novas terapias”.
Adicionalmente, os dois investigadores admitem que “ficou explícita a necessidade de conduzir ensaios clínicos com metodologia adequada, para garantia da qualidade e segurança da evidência gerada”.