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Medicina Interna do Hospital Fernando Fonseca: «Somos dos poucos na Europa a ter um biobanco»

O Serviço de Medicina IV é um dos quatro serviços de Medicina do Hospital Prof. Doutor Fernando Fonseca (HFF) e foi precisamente o último a ser criado, em 2009, sob a direção de José Delgado Alves. Na altura, trouxe consigo alguns colegas do Hospital Curry Cabral, onde trabalhava, mas ao longo do tempo foi captando outros elementos, apostando num minucioso processo de seleção.

A rotatividade da equipa pelos vários eixos e áreas clínicas é uma ação central no Serviço, que privilegia de igual forma a clínica, a investigação e a formação. Por isso, é comum encontrar internistas dedicados integralmente à investigação, durante um período temporal, mesmo que tal implique um esforço assistencial acrescido por parte dos colegas.

No âmbito da Medicina Interna, é o único a nível nacional e dos poucos da Europa a ter um biobanco, um instrumento que enriquece os três eixos.



"A diversidade promove a evolução”

Em entrevista à Just News, José Delgado Alves começa por revelar que uma das características do Serviço é o seu “funcionamento em colmeia”, onde a equipa tem tarefas diferentes e há um sistema de rotatividade.

“Há profissionais que estão mais dedicados a algumas áreas, mas estão preparados para transitar para outras. Apesar de a rotação não existir formalmente, acaba por acontecer, e os resultados finais são positivos”, explica. No seu entender, “a uniformidade não estabelece o desenvolvimento, mas a diversidade promove a evolução”.


José Delgado Alves

Este Serviço funciona com base em três eixos diretores – atividade clínica, investigação e formação –, aos quais José Delgado Alves confere igual importância:

“Para mim, a investigação é tão importante como a atividade clínica, a tal ponto que há internistas totalmente dedicados à primeira, mesmo que tal implique que os colegas tenham, em dados momentos, um trabalho adicional.”

E realça: “A prática da investigação não resulta apenas na descoberta de novos dados, mas também na otimização do pensamento clínico, com uma maior contextualização do conhecimento. Formar e investigar constrói um clínico melhor! Esta dinâmica só funciona porque a equipa está comprometida com ela.”



Serviço com "um Ambulatório muito rico"

Além do Internamento, constituído por Enfermaria, Unidade de Cuidados Intermédios de Medicina, Consulta Externa e Residência, o Serviço dispõe de "um Ambulatório muito rico", composto por Consulta Externa Geral, Clínica Ambulatória e Hospital de Dia. O Hospital de Dia de Medicina e Especialidades Médicas, localizado fora do espaço do Serviço, é utilizado para tratamentos programados.

O Serviço conta ainda com uma sala própria destinada a receber doentes sem marcação, o que, para o nosso interlocutor, é uma mais-valia:

“Se este espaço não existisse, os doentes teriam de recorrer à Urgência ou a outro hospital e teriam seguramente um atendimento menos adequado, não por sermos melhores, mas porque os conhecemos e sabemos o seu histórico.”

A Clínica Ambulatória abrange, por um lado, a vertente programada, em que se insere a avaliação pós-internamento e a realização de exames complementares de diagnóstico e de técnicas, e, por outro, a não programada, conhecida como walk-in-clinic, para os doentes seguidos no Serviço que necessitem de cuidados urgentes.

José Delgado Alves admite que “a walk-in-clinic, a sala de hospital de dia própria e, acima de tudo, a autonomia conseguida pela elevada quantidade de exames complementares realizados, são particularidades deste Serviço que, infelizmente, poucos a nível nacional podem partilhar”.

Não tem dúvidas de que tal acarreta “uma grande sobrecarga de trabalho, mas resulta da noção de cuidados da equipa, que tem a possibilidade de ver o doente, fazer os exames complementares de diagnóstico e tratar”.



Formação

No âmbito da formação, a busca pelo conhecimento mantém-se, de tal forma que “os internistas continuam a fazer estágios no exterior para apreenderem novos assuntos”. À data desta reportagem, em meados de abril, além dos três internistas doutorados, outros três tinham o processo em curso.

Mas, para o diretor do Serviço, “tão ou mais importante é a estruturação da formação ao nível do internato, por isso se publicou o programa, para que haja uma responsabilização pública do que aqui se faz, permitindo, assim, uma escolha informada dos novos internos e uma motivação crescente dos formadores”.

E nota que existem internistas cujo interesse, para além da atividade clínica, reside precisamente na formação, colaborando e coordenando os vários aspetos e diferentes níveis do ensino médico que decorrem no Serviço.

Existe ainda um Gabinete de Exames Complementares, que presta apoio à atividade clínica, formativa e investigacional, e um Gabinete de Investigação. Este conta com um espaço para a investigação translacional, com a parte da investigação fundamental a ser realizada nos laboratórios da Nova Medical School.

A investigação clínica está baseada fundamentalmente no HFF, onde também são realizados os ensaios clínicos e os procedimentos complementares. Alguns dos trabalhos realizados contam também com a participação dos enfermeiros e dos assistentes técnicos e operacionais.



Biobanco com uma "abordagem transversal"

O internista realça a importância da existência de um biobanco no Serviço que, “com o seu carácter de investigação e uma abordagem transversal, será provavelmente o único de Medicina Interna a nível nacional e dos únicos na Europa”.

As suas cerca de 10 mil amostras, resultantes das consultas de coorte realizadas quadrimestralmente, “conferem uma grande riqueza de conhecimentos e permitem que se façam investigações clínicas a um nível diferente”.

Concretizando, refere que esse material permite “recuar no tempo e perceber junto dos soros congelados atrás quando é que surgiu determinada alteração, por exemplo”.

Além de ser uma ferramenta usada “esporadicamente, quando há dúvidas no diagnóstico, é também utilizada prospetivamente, para avaliar uma coorte de doentes com determinada patologia, permitindo seguir a evolução da doença, o que se traduz num melhor resultado”.



A ambivalência de acompanhar casos clínica e socialmente "muito angustiantes"

José Delgado Alves realça que, particularmente no HFF, a MI está sujeita a uma “pressão dantesca”, pois, “enquanto a instituição foi construída com o propósito de ser um hospital privado que respondesse a 250 mil pessoas, neste momento, é um hospital público que dá apoio a cerca de 800 mil habitantes”.

Com “a maior urgência do país, a receber os doentes mais graves”, recorda que, durante a pandemia, a instituição chegou a ter mais doentes covid-19 internados do que a soma de todos os hospitais da Grande Lisboa.

Na sua opinião, “a especialidade está a ultrapassar uma encruzilhada importante, que se relaciona com o facto de todos lhe reconhecerem valor, levando a que os próprios internistas se desvalorizem, de certa forma, do ponto de vista intelectual, e entendam que a investigação deva ser feita pelas outras especialidades”.

Do seu ponto de vista, “a MI é uma especialidade como as outras e tem a obrigação de fazer investigação como elas!”. Dado o facto de muitos dos habitantes dos concelhos da Amadora e de Sintra não serem portugueses faz com que “apresentem doenças raras, que, em situações normais, só se veriam uma vez na vida”. Adicionalmente, “por não terem as melhores condições de vida, acabam por protelar a ida ao médico, o que origina estados críticos”.

Esta realidade, para si, é ambivalente, pois, “enquanto do ponto de vista social e clínico é muito difícil de gerir, a nível formativo é muito rico, dado que confere uma aprendizagem excecional”.



A promoção da técnica, "em detrimento do raciocínio!"

Apesar da intensa atividade, “suportando a prática clínica hospitalar, assistindo doentes complexos e sendo sobrecarregada com os bancos e as referenciações”, o diretor do Serviço reconhece que “há uma clara desvalorização ao nível de recursos”.

E expõe: “Uma das mais-valias do nosso SNS, em comparação com outros, é seguramente a valorização que foi feita da MI aquando da sua conceção. Infelizmente, essa forma de pensar tem sido desvalorizada sob pressão do financiamento hospitalar, que promove a técnica em detrimento do raciocínio!”

Considera que, nos últimos anos, a MI tem sido sobrecarregada de forma contínua (a pandemia de covid-19 foi o melhor exemplo) e frequentemente desvalorizada. "Não sem alguma culpa de nós próprios, internistas, que nos mantemos agarrados a conceitos antigos e porventura ultrapassados, confundindo evolução com desvirtuação!”

“Não é por isso de estranhar que, em todo o país, cerca de 30% das vagas tenham ficado por preencher, e o Serviço de Medicina 4 não foi exceção”, refere, avançando que também são muitos os recém-especialistas que abandonam a especialidade: “Vários internos que completaram aqui a sua formação disseram-me que se continuassem seria neste Serviço, mas a sua opção foi deixar a MI.”



"Hoje em dia, não se estimula a diferenciação"

Atualmente, José Delgado Alves conta com oito internistas, além de si, e cinco internos de MI, no seu corpo clínico, e distingue que prefere ter “uma equipa reduzida, mas com muita qualidade e com o perfil correto”.

Adianta, inclusivamente, que deverá ser “um dos raros diretores de serviço a recusar vagas de internato”, pois, mesmo que a instituição lhe dê a possibilidade de acolher mais, o critério deverá ser “a capacidade de formação adequada para que a qualidade do ensino seja maximizada”.

José Delgado Alves reconhece que, “hoje em dia, está a caminhar-se para uma homogeneidade dos serviços e procedimentos, sem que se estimule a diferenciação e a integração científica”.

Esse é um cenário com o qual não se identifica, o que o leva a ter como projeto contínuo “reunir as condições mais favoráveis para acompanhar os doentes muito bem, contar com suporte institucional para fazer investigação e, sobretudo, investir na formação, tentando ter os melhores profissionais, à semelhança dos grandes centros de referência mundiais, porque devem ser sempre eles a nossa referência”.




A reportagem completa pode ser lida na LIVE Medicina Interna.

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