O médico de família enquanto gestor do utente, que o «acompanha na saúde e na doença»

Foi entre o 3.º e o 4.º anos do internato que Jonathan dos Santos, especialista de Medicina Geral e Familiar e copresidente do Encontro de Outono da APMGF, se cruzou com a denominada ecografia point-of-care, que é, no fundo, a utilização deste meio de diagnóstico na própria consulta, “para responder a questões ou situações específicas, como, por exemplo, uma dor abdominal”, explica o médico.

Há uns 7 anos que o nosso entrevistado se faz acompanhar daquele que muitos apelidam de “o estetoscópio do futuro”, para além de ter sempre gel consigo. De menor dimensão que alguns telemóveis, “é um equipamento que se liga ao meu smartphone e me permite complementar o exame objetivo, conseguindo assim acelerar o processo de diagnóstico e de tratamento”.


Jonathan dos Santos

Tendo sido um dos pioneiros na utilização desta ferramenta nos Cuidados de Saúde Primários, Jonathan dos Santos candidatou-se a um projeto de doutoramento na FMUP, que ainda está a decorrer e que visa precisamente avaliar quais as vantagens da utilização da ecografia point-of-care pelo médico de família.

“Enquanto há uns anos os ecógrafos eram todos fixos, pesados, caríssimos e de difícil manuseio, eles são atualmente muito mais user-friendly, do ponto de vista de software e mesmo de hardware. Registou-se uma evolução tal que agora até são chamados de ‘ecógrafos de bolso’ e são muito mais acessíveis em termos de preço” refere.

“Tem havido um interesse crescente por esta área, não só na MGF mas também entre várias especialidades hospitalares, com inúmeros estudos a demonstrar as mais-valias destes aparelhos portáteis. Representam, sem dúvida, um valor acrescentado à consulta, aumentando a confiança na mesma por parte do doente e oferecendo ao médico uma maior resolubilidade. Vai havendo cada vez mais colegas a adquirir o seu ecógrafo, cuja utilização exige, obviamente, fazer alguma formação”, afirma Jonathan dos Santos. Acrescentando:

“Embora esta ecografia rápida não substitua a convencional, funciona como um complemento ao exame objetivo. Por exemplo, se eu deteto um sopro cardíaco durante a auscultação, posso mostrar ao doente aquilo que estou a ver e explicar-lhe qual poderá ser a causa, diminuindo assim o grau de ansiedade causada pelo tempo de espera pelo resultado do ecocardiograma completo que, entretanto, terá que ser pedido.”

O que o médico tem verificado é que, neste caso, “o doente adota muito mais facilmente as recomendações que lhe são transmitidas no sentido de se procurar controlar melhor alguns fatores de risco, como a hipertensão, promovendo a alteração do estilo de vida e o cumprimento da terapêutica prescrita”.


“O MF tem que ser visto pelo doente como o seu gestor”

Jonathan dos Santos não tem dúvidas: “Se um doente não confiar no médico torna-se muito difícil nós conseguirmos fazer alguma coisa, até porque ele vai procurar uma segunda,
uma terceira, uma quarta opinião... originando, eventualmente, uma situação de sobrediagnóstico, o que será um problema! Isto já para não falar da adesão ao tratamento, que facilmente será posta em causa.”

“O médico de família tem que ser visto pelo doente como o seu gestor, quem o acompanha na saúde e na doença. E, se nós tivermos a sua confiança, poderemos ser um ótimo conselheiro em diversas circunstâncias. Se tal não acontecer, podem-se gerar atropelos e dificuldades que colocarão em causa todo o processo, pois, quando os objetivos não são alcançados, facilmente se gera algum desânimo e descrença em relação ao mesmo”, alerta Jonathan dos Santos.

E haverá, a este respeito, uma grande diferença entre o doente do SNS e o de uma instituição privada? “No SNS, tendo em conta a existência de listas de utentes, eu diria
que somos nós que definimos quem são os nossos doentes, o que pode ser complicado se surgir alguma incompatibilidade, comprometendo a tão necessária relação de confiança.

No setor privado, como é o doente que escolhe o médico, será mais fácil conseguir que ele confie em nós.” O nosso entrevistado constata isso mesmo, agora que integra uma estrutura privada: “Eu não imaginava que fosse acompanhar tanta doença crónica. A verdade é que este doente percebe que o MF pode ser um ótimo gestor do seu processo e que é de confiança, mas é evidente que para isso contribui muito a nossa disponibilidade para responder às suas solicitações.”



“O Encontro de Outono vai ser o reflexo daquilo que fazemos em MGF”

Jonathan dos Santos, um dos presidentes do Encontro de Outono da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, integra a coordenação do Grupo de Estudos em Ecografia Point-of-Care da APMGF, constituído em 2012, e do GE de Doenças Cardiovasculares, uma área pela qual também se interessa particularmente. Os outros dois copresidentes são os seus colegas Ana Luísa Pereira, da coordenação dos GE de Saúde Digital e de Nutrição e Exercício Físico, e José Pedro Antunes, dos GE de Gestão em Saúde e de Diabetologia.

O Encontro de Outono – nome escolhido pelos sócios da Associação – vai realizar-se pela primeira vez, agregando, num programa científico único, o II Encontro de Grupos de Estudos da APMGF (a 1.ª edição aconteceu em 2023) e o 22.º Encontro de Internos e Jovens Médicos de Família.

O evento, que decorre em Fátima, entre os dias 21 e 23 de novembro, deverá mobilizar perto de 400 internos e especialistas de MGF. Quanto à submissão de trabalhos, o seu número ultrapassa as duas centenas, o que terá superado as expectativas.

“Eu penso que este Encontro vai fugir muito daquilo que é o convencional. Para além de ser organizado por médicos de família para médicos de família, vai ser, acima de tudo, o reflexo daquilo que nós fazemos em MGF, com sessões preparadas por colegas com interesse em determinada área”, refere Jonathan dos Santos.

O copresidente do Encontro de Outono salienta o facto de haver “grupos de estudos que vão promover sessões em conjunto, abordando patologias que se podem cruzar, como é o caso da disfunção erétil e da doença cardiovascular”.

Outro exemplo: os GE de Saúde da Mulher, de Saúde Mental e de Sexualidade associam-se numa sessão intitulada “Guia de sobrevivência ao puerpério”.

As várias comissões de internos também se empenharam na promoção do debate em torno de temas como “Imigração: que desafios para a MGF”, “Impacto das redes sociais nos extremos das idades”, ou “Descomplicar indicadores”.

Exceto na Abertura e no Encerramento do Encontro, o auditório e duas outras salas terão atividades em simultâneo, com apresentação de casos clínicos, a utilização do televoto e a realização de workshops, como o dedicado à pequena cirurgia.

Classificado como “evento amigo das famílias”, o Encontro de Outono pretende “facilitar o acesso à formação”, como sublinha Jonathan dos Santos: “Por vezes, é difícil conciliarmos a nossa vida profissional com a pessoal e, portanto, está tudo preparado para que os colegas que assim o entenderem se façam acompanhar da família. Haverá um ‘cantinho para amamentação’ e espaços amigáveis para as crianças.”


A entrevista completa pode ser lida na edição de novembro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Integrados.

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