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Insuficiência cardíaca: participação do CHULN no estudo Beta3-LVH «é uma honra»

O Serviço de Cardiologia do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHULN) foi convidado para participar no estudo internacional Beta3-LVH , algo que os seus especialistas consideram ser “uma honra” e o reflexo da “notoriedade do trabalho” que têm vindo a desenvolver.

Para Dulce Brito, investigadora do estudo, “se for confirmada a possibilidade de um fármaco interferir precocemente nas vias de sinalização que conduzem a progressão para insuficiência cardíaca”, este estudo terá “grande benefício” para muito doentes em risco de desenvolver a síndrome.

10 centros de 8 países europeus

A insuficiência cardíaca (IC) com fração de ejeção preservada é frequente e com tendência crescente, atendendo ao aumento da longevidade da população. Contudo, até ao momento, não existem ainda estratégias terapêuticas eficazes dirigidas especificamente a este fenótipo de IC, com o objetivo de a prevenir ou de evitar que evolua para estádios mais avançados.

Dedicando-se de longa data a esta temática, o grupo de Jean-Luc Balligand, investigador da University of Louvain Medical School, em Bruxelas, iniciou há cerca de dois anos o estudo Beta 3-LVH (left ventricular hypertrophy), no qual foram convidados a participar 10 centros de 8 países europeus, entre os quais se inclui o Serviço de Cardiologia do CHULN (único centro em Portugal).

A entidade parceira do projeto europeu em Portugal é a AIDFM (Associação para Investigação e Desenvolvimento da Faculdade de Medicina), responsável pela gestão global deste projeto. O Beta3-LVH é o primeiro ensaio clínico a avaliar o efeito do mirabegron, um agonista dos recetores adrenérgicos Beta3 na atenuação/prevenção da remodelagem cardíaca em doentes com cardiopatia estrutural (hipertrofia ventricular esquerda), a fim de evitar a sua progressão.


Fausto Pinto

Fausto Pinto, diretor do Departamento de Coração e Vasos e do Serviço de Cardiologia e investigador principal deste estudo em Portugal, afirma que este foi o primeiro ensaio clínico na área cardiovascular a ser financiado pelo Programa Horizonte 2020. “É um estudo europeu multicêntrico e é particularmente importante participarmos neste tipo de estudos inovadores”, indica, acrescentando que esta é uma área que tem estado “órfã” em termos de novas estratégias terapêuticas.

“É uma honra podermos participar neste consórcio, que veio demonstrar a relevância que o nosso grupo tem do ponto de vista nacional, a sua visibilidade e notoriedade, que nos fez ter qualidade para podermos participar neste estudo que envolve instituições de topo da Europa e que mostra o prestígio que a nossa instituição tem em termos internacionais”, conclui.

Participação do CHLN no Beta3-LVH: “Um voto de respeito e confiança”

Também Dulce Brito, cardiologista do CHULN e uma das investigadoras deste estudo, considera o convite para nele participar "um voto de respeito e confiança pelo trabalho do CHULN". Para falar do estudo propriamente dito e das suas características e objetivos, começa por explicar que a remodelagem progressiva do coração com hipertrofia miocárdica cardíaca, fibrose miocárdica e disfunção endotelial desempenha "um papel fundamental no início e progressão da IC com fração de ejeção preservada".

“No coração já com evidência de algumas alterações estruturais (como é o caso da hipertrofia ventricular), embora sem quadro clínico de IC significativa, a ativação neuro-hormonal e hemodinâmica com estimulação crónica dos recetores clássicos B1 e B2 acaba por se tornar progressivamente deletéria, favorecendo a remodelagem cardíaca progressiva e a disfunção cardíaca. Os recetores B3 expressam-se em vários tecidos, incluindo o músculo vesical e os tecidos cardíaco e vascular. A sua ativação, através da via do óxido nítrico, leva a um aumento do monofosfato de guanosina cíclico (GMPc) intracelular, favorecendo o relaxamento do músculo liso e a dilatação vascular”, refere Dulce Brito.

A médica explica ainda: "O efeito do aumento do GMPc no miocárdio contrapõe-se ao efeito inotrópico positivo associado à ativação dos recetores B1 e B2 e estudos pré-clínicos mostraram que a ativação dos recetores B3 conduz à diminuição da hipertrofia cardíaca e da fibrose, podendo assim atuar potencialmente como ‘protetores’ da remodelagem cardíaca, sem comprometer a função ventricular.”


Dulce Brito

“O estudo Beta3-LVH é um estudo clínico de fase IIb, prospetivo, aleatorizado, controlado com placebo, em dupla ocultação e que vai testar o efeito do mirabegron, fármaco agonista dos recetores B3, na hipertrofia e na função diastólica ventricular em doentes com cardiopatia estrutural hipertensiva e fração de ejeção preservada”, afirma.

Os doentes incluídos (adultos) têm que ter hipertrofia ventricular esquerda (diagnosticada por ecocardiografia) definida por aumento da massa ventricular (indexada) ou aumento da espessura parietal ventricular, na ausência de causa genética ou doença valvular significativa.

Assim, a população incluída será maioritariamente a que tem hipertensão arterial (que terá que estar controlada previamente à inclusão). O recrutamento de doentes em Portugal teve início em abril 2017 e deverá terminar em março de 2019 e os doentes incluídos serão aleatorizados para receber mirabegron ou placebo durante 1 ano.

O objetivo primário visa determinar se o mirabegron é superior ao placebo na diminuição da massa ventricular esquerda (VE) e/ou na melhoria da função diastólica em doentes com evidência de remodelagem estrutural do VE (e sem evidência de IC ou com IC apenas em classe funcional I ou II da NYHA).

O estudo irá também avaliar o efeito do fármaco em outros indicadores morfológicos e funcionais de IC com fração de ejeção preservada, como a fibrose cardíaca, o volume da aurícula esquerda, a capacidade funcional e os marcadores laboratoriais. Tal como explica Dulce Brito, o medicamento em estudo é um agonista dos recetores Beta3 cardíacos.

“Estes recetores, existentes, como referi, em vários outros tecidos e órgãos, são, no coração, uma espécie de recetores de “reserva”, protetores e a sua ativação pode potencialmente promover remodelagem cardíaca reversa”, menciona Dulce Brito.

E desenvolve: “Interessantemente, este é um fármaco utilizado de longa data e com grande eficácia no tratamento da “síndrome da bexiga hiperativa”, com sintomas de urgência e frequência urinária e mesmo incontinência.”

"Garantir que nada falha"

Susana Silva, coordenadora do estudo Beta3-LVH e colaboradora do Gabinete de Apoio à Investigação Cardiovascular (GAIC), um departamento da Associação para Investigação da Faculdade de Medicina (AIDFM), explica que, sendo este um ensaio clínico académico, da iniciativa do investigador, o seu papel passa por agilizar os processos.

“Este é um estudo particular, complexo em termos de exigência para o doente no que respeita aos timings a cumprir na realização dos exames necessários. Tem de se garantir que tudo é feito pela ordem correta e que nada falha”, explica.

Para tal, foi desenhado um circuito a “percorrer” pelo doente, para que este esteja ciente dos procedimentos a realizar, mas também para cada elemento da equipa, que é multidisciplinar, pois, cada um tem que saber exatamente qual a sua ação e quando e como a exercer.

“Trata-se de um estudo com uma equipa grande e com muitos procedimentos e exames em cada visita. Não é complexo em termos de execução, mas é exigente”, reconhece Susana Silva, a quem cabe zelar para que o protocolo seja cumprido, que a equipa esteja disponível para, no momento certo, executar todos os procedimentos e garantir que o doente se mantém no estudo até ao final.

“A retenção dos doentes é muito importante. Não podemos deixar que se desmotivem e desistam. Muitas vezes acabamos por ter uma ligação muito forte com eles, porque somos o seu ponto de contacto “próximo” durante o ano em que estão a ser seguidos. Esse fator tem-se mostrado muito importante para que o doente se mantenha no estudo”, explica, acrescentando que os doentes têm de vir várias vezes ao hospital e sentirem-se sempre acompanhados durante a realização dos exames.


Susana Silva e Inês Zimbarra Cabrita

Adicionalmente, o doente tem também de ser uma pessoa responsável e fazer por cumprir o que lhe é pedido, tomando a medicação indicada e contactando a coordenadora do estudo se houver alguma alteração ou se ocorrer algum evento ou reação adversa.

“Um doente bem informado facilita muito todo o processo do estudo. Estamos mais descansados, porque sabemos que se algo acontecer vai contactar a comunicar”, afirma Susana Silva. Quando necessário, é feito um contacto direto com os responsáveis do projeto na Bélgica para agilizar alguma questão que possa surgir no âmbito do estudo.

Inês Zimbarra Cabrita, coordenadora do GAIC e gestora do estudo em colaboração com a AIDFM, adianta que, além da vertente de coordenação do estudo no CHLN, há também o lado da gestão, que é feito pela AIDFM (Fátima Casaca):

“Para além do apoio às coordenadoras do estudo (Susana Silva e Marta Capinha), estou a acompanhar a AIDFM no tratamento da parte burocrática e oficial do projeto em si, como a fazer a ligação do que é necessário em termos de relatórios obrigatórios, incluindo os financeiros. É um projeto financiado pelo Horizonte 2020 e obriga a procedimentos muito exigentes que precisamos de assegurar.”

"Tal seria mais um marco notável na história do conhecimento cardiológico”


Considerando a dificuldade de inclusão do tipo de doentes exigido ao estudo, o CHULN convidou a Unidade de Cardiologia do Centro Hospitalar do Oeste/Hospital de Torres Vedras para colaborar no mesmo como centro satélite.



“Considerámos que servindo uma vasta área populacional, tendo um laboratório de ecocardiografia que avalia um grande número de doentes, nomeadamente com hipertensão arterial (ou seja, com potencialidade para ter hipertrofia ventricular esquerda), e tendo um grupo de cardiologistas e internistas muito interessados nesta temática, seria o primeiro centro ideal para partilhar connosco esta experiência”, indica Dulce Brito.

“O Dr. Ernesto Carvalho, responsável pela Unidade de Cardiologia do Centro Hospitalar do Oeste, acolheu com entusiasmo o nosso convite e a sua colaboração e da sua equipa contribuirá certamente para o sucesso deste projeto”, remata.

De acordo com a médica, vários dos exames realizados pelos doentes em todos os centros participantes durante os 12 meses em que participam na investigação são avaliados também por um laboratório central europeu, "como é adequado quando se pretende uniformização de critérios e controlo de qualidade dos procedimentos envolvidos". O tratamento dos dados e os resultados serão, entretanto, analisados por uma comissão definida para o efeito.

No seu entender, “a investigação nesta área é muito importante, nomeadamente considerando a possibilidade deste fármaco interferir precocemente na remodelagem ventricular, travando ou retardando a progressão para insuficiência cardíaca. Tal seria mais um marco notável na história do conhecimento cardiológico”.

“Ficámos muito lisonjeados com este convite”

Ernesto Carvalho é o responsável pela Unidade de Cardiologia do Centro Hospitalar do Oeste (CHO), o centro satélite desta investigação: “Ficámos muito lisonjeados com este convite. Temos de agradecer ao CHLN, na pessoa da Prof.ª Dulce Brito, a colaboração que nos pediu, para a qual vamos dar o nosso melhor, através dos meios que temos ao nosso alcance. Consideramos que este é um ensaio clínico de grande importância e que só nos dignifica.”

O CHO tem uma área de influência de cerca de 300 mil habitantes, entre os três hospitais que o constituem – Unidade de Caldas da Rainha, Unidade de Peniche e Unidade de Torres Vedras.


Ernesto Carvalho

Quando Ernesto Carvalho falou à Just News, apenas o serviço de Torres Vedras estava envolvido no estudo. Contudo, Ernesto Carvalho e os restantes profissionais estavam a organizar-se para incluir as três unidades nesta seleção de doentes.

“Neste momento, temos quatro pessoas – três médicos e um técnico – diretamente envolvidos no recrutamento de doentes para o ensaio. No entanto, todos os médicos que estejam a seguir pessoas que considerem poder participar no ensaio encaminham-nas para, caso se confirme, fazermos a referenciação para o CHLN”, indica, explicando que apenas verificam se o doente preenche os critérios de inclusão do estudo, fazem o eletrocardiograma e encaminham.

“Durante o período do ensaio o doente é seguido no Hospital de Santa Maria, onde vai também fazer os exames. Quanto às suas consultas de hipertensão, continua a ser seguido por nós, com a mesma frequência”, conclui.


A notícia completa pode ser lida na revista Coração & Vasos 5.

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