Infeções hospitalares: «Temos de aproveitar melhor os testes rápidos»
"De forma a diminuir o número de surtos hospitalares, temos sobretudo de ter uma capacidade de deteção e resposta muito rápida", afirma Artur Paiva, diretor do Programa Nacional de Prevenção e Controlo de Infeções e de Resistência aos Microbianos (PPCIRA), no mais recente podcast lançado pela Cepheid.
De acordo com o médico, o raciocínio deve ser muito claro: "Para prescrevermos melhor antibióticos, precisamos de melhor diagnóstico, isto é, precisamos de discernir melhor o que é infeção do que não é infeção, o que é infeção bacteriana do que não é infeção bacteriana, e de ter diagnóstico mais rápido."
Segundo o responsável, que também dirige o Serviço de Medicina Intensiva do São João, "um dos nossos grandes dramas, que acelera muito o consumo de antibióticos é que temos tratamento empírico, tratamento sem saber qual é o patógeno, a bateria causadora da infeção, durante um tempo excessivo.
E acrescenta: "Eu diria até que se há área mais retributiva... ou duas áreas, é não tratar quando não é preciso, e é reduzir o tempo de terapêutica empírica através de melhor diagnóstico."
Artur Paiva
Unidades Locais PPCIRA, "fonte de pedagogia e de mudança comportamental"
Artur Paiva destaca, também, precisamente no âmbito da boa prescrição dos antibióticos, o "importante trabalho" desenvolvido pelos grupos locais do PPCIRA, desde logo, "na implementação da nossa estratégia de antimicrobial stewardship e que em Portugal chamamos de Programa de Apoio à Prescrição do Antibiótico".
Na sua opinião, essas equipas locais do PPCIRA, "que estão nos hospitais e nos cuidados de saúde primários são fonte de conselho, de pedagogia, e até de conforto e de mudança comportamental, sempre que os colegas solicitam ou que mesmo quando não solicitam, quando há casos de infeção mais complicados ou mais difíceis de avaliar".
Salientando que "o antibiótico é um fármaco muito curioso", lembra que "a maior parte dos fármacos estão associados a determinadas especialidades médicas mas que, no caso do antibiótico, todas as especialidades os usam". E qual a consequência? "Quando algo é usado por todos, o conhecimento de cada um nunca é tão grande, ou seja, numa coisa que tem uma latitude muito grande, a profundidade nunca é a mesma."
Dessa forma, considera que "a necessidade de uma intervenção transversal aos vários serviços em que peritos nesta matéria possam fazer pedagogia, e até mudança comportamental, na prescrição do antibiótico é muito importante, porque aumenta muito a qualidade da prescrição".
Uma intervenção que Artur Paiva refere ser crucial, ainda para mais porque "desde o início da pandemia que temos um aumento do consumo de antibióticos, um aumento que é mais acelerado em Portugal do que no resto da Europa, daí nós estarmos a investir nos tais programas de apoio à prescrição antibiótica nos hospitais".
Promover a literacia em saúde
Mas a atividade desenvolvida pelo PPCIRA tem ainda outras vertentes, apesar de nem sempre com a visibilidade devida. No podcast da Cepheid sobre infeções associadas a cuidados de saúde (IACS), o médico refere uma outra intervenção "igualmente fundamental" e focada na promoção da literacia em saúde:
"Num paradigma de prática de medicina e de intervenção clínica, que é cada vez mais partilhado, onde o doente e o cidadão assumem um papel relevante na decisão, também clínica, da sua vida, acreditamos que a literacia do cidadão nesta área, do uso sensato dos antibióticos, é muito importante. E temos um programa específico nessa área."
Artur Paiva refere-se ao e-Bug, um projeto que visa "aumentar a literacia em saúde das crianças e jovens dos 5 aos 18 anos sobre a prevenção da infeção e a boa utilização dos antibióticos".
Desenvolvido em conjunto com a Direção-Geral da Educação, o INFARMED e o The Antibiotic Centre for Primary Care – University of Oslo, "o programa introduz nos currículos pedagógicos do 1º, 2º e 3º ciclo – portanto, crianças e adolescentes – um conjunto de materiais, desde jogos, vídeos, até conteúdo escolar."
O objetivo é que, "veiculado através dos professores, desperte as crianças e adolescentes para regras de higiene, saúde pública, de riscos associados à toma de antibióticos, de higiene das mãos e de boa prática em termos de consumo de antibióticos".
Para o responsável pelo PPCIRA, esta partilha de conhecimento e de comportamento junto dos mais novos é ainda mais necessário, considerando que "os portugueses são até dos povos europeus que têm mais conhecimento do risco associado aos antibióticos. Contudo, isso não influencia o seus comportamentos. Por exemplo, continuam a guardar os medicamentos em casa quando sobram, em vez de devolver às farmácias, continuam a aconselhar-se junto dos amigos ou vizinhos quando têm algum tipo de queixa."
Ou seja, "há um gap entre conhecimento e comportamento" e, nesse sentido, Artur Paiva não tem dúvidas de que "as crianças e adolescentes, nas suas redes sociais e na sua vida familiar, podem ser muito relevantes."