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«A melhor cura possível para a fibromialgia é a felicidade»

O interesse do reumatologista José António Pereira da Silva pela fibromialgia e pela relação da doença com a felicidade conduziu ao desenvolvimento de uma plataforma digital que vai agora ser lançada. O objetivo é "oferecer aos doentes um apoio continuado".

O projeto assenta na visão do médico relativamente à doença e à orientação da terapêutica: “Estou convicto de que a fibromialgia tem uma relação muito forte com o stress continuado em que vivem estes doentes e que a melhor cura possível para a doença é a felicidade, no sentido da harmonia, equilíbrio, tranquilidade, que tem de se cultivar e aprender a construir."

José António Pereira da Silva dirige o Serviço de Reumatologia do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra há uma década, um serviço que tem precisamente por lema: “Promover felicidade mediante cuidados de excelência”. E sublinha: "Os doentes aceitam que a felicidade é uma arma terapêutica se lhes for demonstrado por que têm dores."

Na sua opinião, “se o médico tiver tempo para os esclarecer, eles compreendem que as suas dores têm uma relação muito forte com o seu estado de espírito”. E adianta que quando esclarece os doentes na sua consulta sobre esta teoria, lhes apresenta o modelo que é explicativo da doença: “Stress psicológico impõe stress muscular, stress muscular igual a dor e cansaço.”

“Quando descrevo aos meus doentes a personalidade ligada à fibromialgia nunca encontrei desacordos significativos. São sempre pessoas tensas, preocupadas, perfeccionistas, obsessivas e exigentes, em maior ou menor grau”, refere.


José António Pereira da Silva: “Stress psicológico impõe stress muscular, stress muscular igual a dor e cansaço”

“Há muitos anos que tenho um interesse pela fibromialgia e pela sua relação com a felicidade”, conta o médico, recordando dois episódios específicos que o fizeram despertar para a necessidade de um apoio continuado para que estes doentes possam sair do ciclo vicioso de stress-dor-stress. Uma das circunstâncias diz respeito a uma consulta que teve com uma doente a quem tinha explicado a sua teoria acerca da felicidade e da tensão nervosa, recordando-se do seu comentário:

“Fico sempre melhor quando o ouço, mas depois esqueço e volta tudo ao mesmo. Quem me dera poder estar consigo todas as semanas.”

O outro acontecimento foi uma conferência que proferiu sobre a sua visão da fibromialgia numa reunião da Federação Europeia das Associações de Doentes com Fibromialgia, que teve lugar em março de 2018, em Malta, e que contou com mais de uma centena de pessoas de pelo menos 30 países. A sua intervenção, sublinhando "a importância da relação entre a doença e o stress, com sentimentos como a tristeza e a angústia, teve um grande acolhimento por parte dos participantes". Isto levou-o a reconhecer que tinha a responsabilidade de fazer chegar esta perspetiva a mais doentes.

Daí a ideia da plataforma informática que agora vai ser lançada. Em Portugal, estima-se que existam cerca de 300 mil doentes de fibromialgia (diagnosticados ou não), na proporção de 4 a 8 mulheres para 1 homem. De acordo com José António Pereira da Silva, os homens têm mais reticência a queixar-se de dor, sobretudo quando esta não está associada a deformação, inflamação ou inchaço, isto é, que não tem causa aparente. “As pessoas são facilmente apelidadas de doentes mentais, e ninguém gosta disso”, comenta.

Sensibilizar os médicos para a doença

A nova plataforma digital vai oferecer uma multiplicidade de serviços aos doentes. Desde “uma explicação razoavelmente exaustiva e útil da doença”, que é apresentada em vídeo, até “um apoio continuado por psicólogos, diferenciado consoante as necessidades individuais, e vários recursos interativos, que vão desde jogos até ouvir uma música ou ver um filme que facilite a apreciação de alguma beleza no mundo”.

A ferramenta que está a ser construída junta pessoas interessadas nesta temática, com competências muito diversas. Além de médicos, o projeto conta com um grupo de 18 psicólogos e, naturalmente, web designers e informáticos.

Os reumatologistas, os médicos de família, os neurologistas e os especialistas de Medicina Física e de Reabilitação são um alvo prioritário desta iniciativa (MyFibromyalgia.org).  Na opinião de José António Pereira da Silva, os seus colegas que lidam com a fibromialgia "precisam de estar sensibilizados para a intensidade e autenticidade do sofrimento dos doentes e também para o facto de haver novos recursos para lidar com a fibromialgia, em particular um instrumento terapêutico que não é um fármaco: a felicidade".

“É um dilema dilacerante para muitos médicos, sentirem que não são capazes de lidar com as dimensões psicológicas do sofrimento. Alguns entram em simples negação, assumindo que o que eles não veem não existe”, afirma.

"Tive que construir a felicidade"

“Para mim, individualmente, a felicidade não foi espontânea, tive que a construir.", afirma José António Pereira da Silva, desenvolvendo a ideia:

"O meu espírito é naturalmente ocupado por deveres e obrigações em tão grande quantidade e exigência que a felicidade se torna impossível dessa forma. Tenho de procurar e saborear a felicidade para que o desempenho profissional não seja apenas a coisa dura e fria que tenderia a ser para mim, se fosse apenas conduzida pelo meu perfeccionismo e a minha dedicação ao trabalho."

E acrescenta: “Reconheço problemas semelhantes em muitos outros colegas e também nos doentes com fibromialgia em geral: estão aí as origens da minha empatia ‘peculiar’ com eles.”



A entrevista completa pode ser lida no Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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