Doentes crónicos complexos são acompanhados por equipa do Pedro Hispano no seu domicílio

Conta já seis anos de existência o projeto da ULS de Matosinhos que visa evitar episódios de urgência e internamentos e melhorar a capacidade funcional e a qualidade de vida dos doentes crónicos complexos. A disponibilização de cuidados integrados é uma das tónicas da Equipa de Suporte a Doentes Crónicos Complexos (ESDCC), que se articula com 18 unidades do ACES Matosinhos e com a própria autarquia.



Empoderar as pessoas na gestão das suas doenças

“A ideia é que os doentes com multimorbilidade possam ter uma equipa mais dedicada, de forma a evitar idas ao Serviço de Urgência e internamentos”, refere Jorge Martins, especialista de Medicina Interna que, desde fevereiro de 2021, coordena a ESDCC, fazendo parte dela desde o início, em conjunto com o enfermeiro António Oliveira.

Ao longo do tempo, e “fruto da própria experiência”, foram “criando e implementando estratégias capazes de melhorar a capacidade funcional, o bem-estar e a qualidade de vida dos utentes, prevenir agudizações e aumentar a adesão ao regime medicamentoso”.

No entanto, Jorge Martins salvaguarda que “há doentes com muita dificuldade em cumprir tanto terapêuticas farmacológicas como medidas não farmacológicas, e o nosso objetivo é empoderá-los na gestão das suas doenças, assumindo as funções dos cuidadores, quando estes não existem”.


Uma ideia "bem acolhida"


Jorge Martins faz questão de recordar que a ideia da constituição da ESDCC partiu da internista Céu Rocha, que, à data, coordenava a Equipa de Cuidados Paliativos.

“Aquele grupo trabalhava já neste espírito de integração de cuidados, dirigia-se aos domicílios dos doentes e tinha consulta aberta. Paralelamente, ao confrontar-se com a sobrelotação das Urgências, sugeriu que se existisse uma equipa dedicada a doentes crónicos complexos metade deles não estaria ali, tendo a ideia sido bem acolhida pela a então diretora clínica, Dr.ª Paula Simão”, recorda.

Acabou por ser Céu Rocha a assumir a coordenação da ESDCC, até que, “face ao crescimento sustentado da ESDCC e à dificuldade de acumulação dos dois cargos”, a coordenação da ESDCC transitou, no início de 2021, para Jorge Martins.

Jorge Martins 

Proximidade com o doente ajuda a "perceber toda a envolvência"

Inicialmente, os doentes eram referenciados pelos colegas de Medicina Interna à ESDCC, consoante o cumprimento dos critérios definidos por esta, mas rapidamente a referenciação foi alargada ao ACES Matosinhos, concretamente às 12 USF, duas UCSP e quatro UCC: “Atualmente, tanto admitimos doentes provenientes dos serviços do Hospital Pedro Hispano, como os identificados pelos médicos de família.”

Jorge Martins realça o benefício ao nível da maior informação, “pois, no ambiente do doente, conseguimos perceber toda a envolvência e retirar mais conclusões sobre a adesão medicamentosa, que pode estar a ser condicionada pela situação social”.




E destaca “o nível de confiança e o tipo de relação que, desta forma, se consegue estabelecer com os doentes”, avançando entender agora que “o reinternamento de alguém por descompensação de uma doença crónica poucos dias após ter tido alta hospitalar se deve normalmente à falta de adesão ao tratamento farmacológico”.

Os critérios de elegibilidade para alguém usufruir deste serviço relacionam-se com a idade (≥ 75), o número de internamentos (≥ 3) e o total de idas à Urgência (≥ 5) no último ano, bem como a quantidade de medicamentos (≥ 6) que toma e de doenças crónicas existentes (≥ 3 de 7 definidas: IC, DPOC, DHC, diabetes, neoplasia ativa, doença cerebrovascular e doença renal crónica).

Jorge Martins considera que a grande mais-valia do trabalho da ESDCC consiste no “maior tempo disponibilizado para os utentes que necessitam muito dos serviços de saúde e no trabalho desenvolvido contemplando as várias dimensões do doente”.




Projeto diferenciador também a nível internacional

A envolvência dos internistas e a sua atuação no domicílio com a presença dos enfermeiros enquanto gestores de caso são características desta Equipa que identifica como "diferenciadoras, mesmo a nível internacional", acrescentando: “Foi feita uma aposta neste projeto que rapidamente começou a gerar resultados, com a redução do número de internamentos e de idas à Urgência."

De facto, “a disponibilidade dos enfermeiros para fazer a vigilância clínica, o empoderamento dos doentes e dos cuidadores para a gestão das doenças crónicas e a identificação e resolução de problemas familiares, sociais e mentais, em articulação com as equipas de saúde familiar e as outras estruturas dos CSP que prestam apoio é uma das bases deste trabalho”.

Jorge Martins refere-se à utilização de planos individuais de cuidados, onde se “identificam os principais problemas e se definem abordagens farmacológicas e não farmacológicas, como um dos pilares do projeto, pois, funciona como um guia para o gestor de caso, que saberá a que aspetos deverá estar mais atento e vigilante”.

Importa também ressalvar que os internistas “assumem aqui a gestão das situações, articulando-se com os colegas de outras especialidades quando os doentes estão internados”.

No final de 2021, a ESDCC acompanhava cerca de duas centenas de utentes e registava um crescimento de 25% face ao ano anterior. Jorge Martins justifica esta evolução com “a admissão sustentada de cerca de 100 doentes por ano, que superam largamente o número de saídas, geralmente por falecimento”.


Existindo, assim, uma acumulação generalizada de utentes, a ESDCC implementou uma estrutura assente em níveis, que “oferece diferentes cuidados consoante as necessidades, de forma a abranger a maior população possível, mantendo os mesmos recursos humanos”.



Integração em ULS favorece relação com CSP e autarquia

Neste trabalho conjunto participa igualmente um nutricionista hospitalar que também faz domicílios. A ESDCC não integra ainda a figura do assistente social, sendo esse tipo de apoio assegurado por profissionais dos CSP. De facto, na fase inicial do programa, para identificar a capacidade funcional do doente no ambiente social, é feita uma avaliação, onde são identificados os principais problemas e o seu impacto, e dessa avaliação faz parte o rastreio nutricional.

“Se verificarmos que existe o risco de desnutrição ou de obesidade, por exemplo, ou que já há uma diabetes totalmente descontrolada por erros alimentares, tentamos fazer um plano nutricional e ativar a intervenção da nutricionista”, esclarece Jorge Martins.

O médico alerta que, “muitas vezes, os problemas clínicos que a Equipa mais valoriza não correspondem àqueles que os próprios doentes mais reconhecem, pelo que é necessário dar muita atenção a esse momento de avaliação, que assenta na partilha”.

Olhando para as várias dimensões do doente, nota que “a maior dificuldade é a vertente social, pois, muitas vezes, os doentes até têm as suas doenças crónicas estabilizadas, mas, a nível social, não estão bem”. E lamenta que “a capacidade de intervenção das assistentes sociais não acompanhe o ritmo da ESDCC, por terem a seu cargo milhares de utentes”, desejando que essa lacuna possa ser colmatada assim que possível.

Reconhecendo que “a existência deste projeto fica muito mais facilitada graças ao facto de o Hospital Pedro Hispano estar integrado numa ULS”, o internista destaca ainda que “a própria experiência adquirida com a Equipa de Cuidados Paliativos permitiu dar este passo em frente”. No entanto, ressalva que “esta Equipa, com a sua dinâmica de trabalho, pode ser replicável em qualquer instituição do país”.

Valoriza ainda  ligação que existe com a Câmara Municipal de Matosinhos, graças à qual nasceram vários projetos que vieram enriquecer a atuação da ESDCC.


"Uma atuação que permite evitar episódios de urgência e internamento"


António Oliveira, 44 anos, é o enfermeiro coordenador da ESDCC desde o início de 2021, apesar de integrar a mesma desde 2019.  

Até 2020, cada enfermeiro da ESDCC estava alocado a um dos centros de Saúde do ACES Matosinhos. Nessa altura, perante a ideia de se criar uma Unidade de Hospitalização Domiciliária, António Oliveira estruturou um projeto que previa a criação de sinergias com a ESDCC, “rentabilizando instalações, equipamentos e recursos humanos e materiais”. Com a implementação da UHD, em abril de 2021, o enfermeiro passou a assumir a coordenação dos dois projetos.

Especializado em Enfermagem de Saúde Comunitária, “a área que mais se adequa ao trabalho realizado pelas duas equipas”, o enfermeiro considera que “enquanto na UHD os doentes estão efetivamente internados, no caso da ESDCC, a sua atuação permite evitar episódios de urgência e internamentos, com vantagens para os doentes e para a instituição”.

Procurando combinar as duas, António Oliveira avança estarem a “potenciar a vigilância dos doentes crónicos complexos e, perante agudizações que exijam que seja internado, este seja enquadrado na UHD, trazendo vantagens ao nível da redução dos custos, comparativamente ao internamento convencional”.


António Oliveira

Enquanto, inicialmente, a ESDCC se enquadrava no Departamento de Cuidados Continuados, desde 2021 que tanto essa Equipa como a UHD estão inseridas no Serviço de Medicina
Interna.

Do ponto de vista do enfermeiro, “apesar de, antes dessa data, já ser reconhecida a eficácia e eficiência da ESDCC, a centralização e criação de uma unidade funcional com centros de custos específicos no seio da instituição permitiu não só uniformizar formas de trabalhar como medir efetivamente o impacto da atividade”.

Essa avaliação é, para si, “fundamental para se perceber se o grupo está a atuar bem e que componentes podem ser melhoradas”, pelo que, desde que integrou a Equipa, em 2019, se dedicou também a esta dimensão analítica. Começou por propor um conjunto de instrumentos de escalas que podiam ser utilizados nas avaliações e compilar os dados.

Comparando as situações que existiram nos 365 dias prévios à admissão dos doentes com as que sucederam nos 365 dias seguintes, o enfermeiro fala numa “redução drástica do número de episódios de urgência e de dias de internamento, o que contribui para a sustentabilidade do SNS, para além de promover a melhoria da qualidade de vida e a sensação de bem-estar dos doentes”.

Mesmo considerando que “a média de idades dos doentes é de 81 anos e que a sua capacidade funcional – já bastante reduzida – tenderia a agravar-se com o passar dos anos”, António Oliveira realça a “melhoria contínua do estado clínico dos doentes, sendo o desempenho em termos de urgências e internamentos progressivamente melhor ao longo do tempo”.

“O apoio de retaguarda que damos e o empoderamento para se fazerem determinados procedimentos em casa possibilitou a poupança de 136 dias de internamento só no primeiro ano de acompanhamento pela ESDCC”, avança, acrescentando que “praticamente 40% dos episódios de urgência ocorrem fora do horário de trabalho da Equipa”.


Comparando a avaliação inicial com a realizada 365 dias depois...


O enfermeiro António Oliveira partilhou com a Just News alguns dados obtidos através das avaliações realizadas junto dos doentes aquando da admissão e, novamente, 365 depois. Registam-se algumas das conclusões:

74,5% consideram que a sua qualidade de vida, em geral, melhorou após um ano;


 Enquanto, inicialmente, 53% cumpriam a totalidade da medicação, um ano depois, essa função era executada por 85%;

 Segundo a Escala de Depressão Geriátrica de Yesavage, inicialmente, 31% dos doentes não teriam depressão, percentagem que haveria de subir para 42%. 37% sofreriam de depressão ligeira, tendo-se registado um aumento para 44,7%. 31% teriam depressão grave, indicador que desceu consideravelmente, para 12%;

 Ao nível da autoperceção da saúde, enquanto 7,8% dos doentes a classificava como boa, um ano depois essa percentagem já subira para 13,6%. Também o número de doentes a considerar a sua saúde satisfatória aumentou, passando de 42% para 71%. A tendência inverteu-se no caso da classificação má, descendo de 49,5% para 15,5%.



A ambição de criar uma Rede Nacional de Gestão do Doente Crónico Complexo

O trabalho desta Equipa tem vindo a ser reconhecido ao longo dos anos, destacando-se enquanto vencedora da categoria de “Melhor Projeto”, na 15.ª edição do Prémio de Boas Práticas em Saúde, realizada em novembro de 2022. O projeto da ESDCC foi ainda apresentado, em 2022, na Reunião Europeia de Avaliação e Conferência Final do Programa de Intercâmbio HOPE, que visa promover a troca de conhecimentos e experiências e a sua aplicação dentro da Europa, “por ser considerado um exemplo na integração de cuidados”.


António Oliveira adianta que estas distinções têm levado a Equipa a pensar na possibilidade de impulsionar a criação de uma Rede Nacional de Gestão do Doente Crónico Complexo: “Desde que haja vontade e disponibilidade, estamos em condições de determinar quais devem ser os recursos humanos adequados, bem como as instalações, os equipamentos e os materiais.”



A reportagem completa pode ser lida na edição de janeiro/fevereiro do Hospital Público, onde são entrevistados outros profissionais da equipa.

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