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A Medicina Interna «não pode ser uma segunda opção»

É na sua casa de refúgio de Caminha, em frente à foz do rio Minho, que João Araújo Correia, 55 anos, recebe a Just News. Num ambiente familiar, com vista para o rio, o vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna (SPMI) e diretor do Serviço de Medicina I do Hospital de Santo António - Centro Hospitalar do Porto fala-nos sobre a evolução da Medicina Interna e deixa um alerta: não se crie a especialidade de Urgência, para o bem dos doentes e da própria Medicina Interna.



"Uma espécie de Robin dos Bosques da Medicina"

Ao longo da entrevista, publicada na edição de julho de LIVE Medicina Interna, João Araújo Correia manifesta a sua grande admiração pelo avô e explica porquê: "O meu avô marcou-me muito. Além de médico, era contista, como referi. Nunca repetia uma história, mesmo quando a idade já era muita. A casa dele, que foi pena não ter sido conservada, era a um de médico ´João Semana`, e o consultório até tinha uma mesa obstétrica!"

O vice-presidente da SPMI afirma inclusive que o seu avô era "uma espécie de Robin dos Bosques da Medicina e só assim se explica como pôde formar cinco filhos. Os ricos pagavam bem pelos seus serviços médicos e aos pobres tudo dava, incluindo os próprios medicamentos. A sua importância como médico e escritor foi tão grande que o município do Peso da Régua deu o seu nome à escola secundária e ao Balneário das Caldas do Moledo e lhe erigiu uma estátua junto ao rio."

Questionado sobre se a sua escolha pela Medicina Interna se deveu em grande parte a essa influência do seu avô, João Araújo Correia não hesita em dizer que sim: "ele transmitiu-me o gosto pela palavra, que tem muito a ver com a Medicina Interna. Entusiasma-me fazer perguntas, construir o puzzle do diagnóstico com base nos sinais da doença, que nem sempre são muito específicos."

Acrescenta ainda que o seu avô trabalhava numa altura em que não havia os atuais métodos de diagnóstico, pelo que "ia a casa das pessoas e, falando com elas, também conseguia construir o puzzle. Cheguei a acompanhá-lo, muitas vezes, nessas visitas, que ainda hoje me ajudam muito como médico. A construção do puzzle pode não ser fácil, às vezes, até parece que a resolução do enigma tem inspiração divina. Pergunto-me, com frequência, por que fico mais desconfiado num caso do que noutro, quando ambos, em termos teóricos, apresentam sintomas e sinais idênticos. Claro que tudo isto gera alguma insegurança e há que saber lidar com ela."



Internistas com "visão holística do doente que entra na Urgência"

Quanto à situação global da Medicina Interna, João Araújo Correia não tem dúvidas em afirmar que está "muito orgulhoso da sua evolução, que se deveu bastante ao crescimento da Sociedade e ao prestígio do Colégio. E temos evoluído muito! Atualmente, temos 900 internos em formação! Isto corresponde a uma mudança na maneira como se olha para a Medicina Interna, que deve ´tomar conta` dos hospitais."

Salienta ainda que espera que "não se venha a criar a especialidade de Urgência". Na sua opinião, os internistas têm capacidade para ter uma visão holística do doente que entra na Urgência e encaminhá-lo, de forma acertada, para a especialidade de que necessita, se for esse o caso. Note-se que, em Portugal, os doentes entram às centenas na urgência, sem qualquer triagem prévia."

O vice-presidente da SPMI considera que "a criação da especialidade de urgencista, como já acontece nos EUA, pode levar a altas indevidas e a outras situações complicadas. Defendo também que o internista é fundamental no pré e no pós-operatório, porque previne as complicações, gere todos os problemas do doente, reduz o tempo de internamento e é, por isso, muito atrativo para os administradores."



“A atração pelo abismo”
Entre vários outros temas abordados na entrevista, João Araújo Correia deixa uma mensagem a quem opta pela Medicina Interna: "As pessoas têm de fazer uma introspeção profunda e saber o que para elas é importante. Não se pode ir para Medicina Interna quando esta é uma segunda opção, porque não se vai aguentar. O dinheiro não pode ser uma prioridade. É preciso ter aquilo a que chamo ´a atração pelo abismo`, ou seja, sabe-se sempre menos do que o que falta saber. E conseguir viver com essa insegurança... E também ter uma grande dose de narcisismo, isto é, diagnosticar e tratar bem, com grande satisfação pessoal e sem esperar aplausos de ninguém."



A entrevista completa com João Araújo Correia pode ser lida na edição de julho da LIVE Medicina Interna.

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