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«A medicina baseada na evidência não é uma ciência, é uma ferramenta»

Em entrevista à Just News, José Delgado Alves, coordenador do NEDAI – Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, destaca o “uso abusivo” da medicina baseada na evidência.

A utilização “indiscriminada” dessa “ferramenta” ganha uma relevância muito maior quando se entra no campo das doenças autoimunes, embora o especialista de Medicina Interna prefira chamar-lhes doenças imunomediadas.


José Delgado Alves: “Eu não penso que a medicação deva ser feita com base no empirismo, mas também acho perigoso deitá-lo fora sem escrutínio”

Utilização "abusiva e indiscriminada"

Tratar uma doença imunomediada não é tarefa fácil. O sistema imunológico do ser humano “tem mecanismos de regulação e de contrarregulação extremamente complexos e que existem ao mesmo tempo num determinado doente, não sendo fácil identificar o alvo perfeito sobre o qual atuar. Muitas vezes nós apenas sabemos que para aquela doença existem 5 ou 6 desvios de normalidade, que interpretamos como tendo que ser corrigidos”.

A explicação é dada por José Delgado Alves, que insiste na caracterização do problema: “A grande questão está em perceber qual o alvo que para nós será mais eficaz controlar, no sentido de tratarmos a doença, e isso pode variar de doente para doente.”

O diretor do Serviço de Medicina IV do Hospital Fernando Fonseca e também da Unidade de Doenças Imunomediadas Sistémicas, que funciona de forma autónoma naquela instituição hospitalar, surge nesta entrevista na qualidade de coordenador do Núcleo de Estudos de Doenças Autoimunes da Sociedade Portuguesa de Medicina Interna, a propósito da XXVIII Reunião Anual do NEDAI, que se vai realizar em Albufeira, entre 14 e 17 de junho.



José Delgado Alves fala com convicção: “A medicina baseada na evidência não é uma ciência, é uma ferramenta de investigação clínica que deve ser usada quando faz sentido que o seja, com um determinado objetivo. Mas a verdade é que acaba por ser utilizada de forma abusiva e indiscriminada.”


“Houve-se dizer, sistematicamente, que cada doente é um doente e que nós devemos tratar a doença naquele doente específico. É notável que toda a gente diga isto mas que depois se queira normalizar os tratamentos, com o argumento de que é uma medicina baseada na evidência. Esta baseia-se num conjunto de métodos que são utilizados, como os ensaios clínicos, mas o facto é que estes não foram desenhados para definir a terapêutica de um doente, mas sim para decidir se determinado medicamento deve ou não ser aprovado para uma doença específica”, afirma o coordenador do NEDAI, frisando:


“Mas a aprovação de um fármaco como arma possível para uma doença será sempre uma generalização porque, tal como todos os médicos dizem, as doenças manifestam-se sempre de maneira diferente e, no caso das doenças imunomediadas, um mesmo fenótipo clínico pode ter por base mecanismos muito diversos.”




A "omnipresença" da medicina baseada na evidência 


“Quando nós utilizamos o termo medicina baseada na evidência até dá a impressão de que se trata de algo omnipresente, que não levanta dúvidas. Mas não é assim! Esta evidência é setorial, baseada numa metodologia específica, num determinado contexto da doença, estando longe de ser uma evidência universal, que possa ser aplicada em todas as situações, em qualquer doente”, insiste José Delgado Alves.

O nosso entrevistado não tem dúvidas em afirmar que “o médico tem que ser responsabilizado por aquilo que faz” e, portanto, “eu tenho que saber explicar a um doente que é tratado por mim a razão pela qual estou a utilizar determinado medicamento”. E contesta veementemente “a obrigação de seguir uma norma que impõe experimentar um primeiro fármaco, e depois outro, antes de usar aquele que nós sentimos ser o mais correto naquele caso específico”.

“É assim que, neste momento, se pratica a medicina, de uma forma que, aparentemente, na cabeça de muitos faz sentido”, lamenta. O coordenador do NEDAI não poupa nas palavras:

“Há especialidades que seguem esse princípio de uma forma cega, outras que até têm algum bom senso, mas também há as que acham que isto é que é ser moderno e, pior ainda, as que estão convencidas de que a fazer assim é que se pratica uma boa medicina.”

José Delgado Alves frisa que, “lamentavelmente, trata-se de uma realidade transversal no mundo inteiro, utilizando-se com frequência o argumento financeiro de custo-efetividade”.



O problema, salienta, é que “os estudos que o sustentam são baseados em prazos muito curtos, com doentes ultrasselecionados e, como se sabe, eu posso administrar hoje um medicamento mais caro, mas que nos vai permitir ter um retorno positivo daqui a 3 anos em termos de um melhor controlo da doença, que naturalmente se vai refletir nos custos. Mas este é um dado que se ignora sistematicamente na “gestão à vista” que nos domina”.

Afirmando que “devemos utilizar os ensaios clínicos como linha de orientação relativamente à informação que temos dos medicamentos, mas rejeitando o que classifica de “argumentação cega”, o diretor do Serviço de Medicina IV do HFF refere:

“Os meus assistentes e os meus internos todos os dias me fazem as perguntas mais difíceis: ‘Mas sugere esse tratamento porquê? Com base em quê? Qual é o seu raciocínio?’”




A entrevista completa pode ser lida no próximo jornal Hospital Público.

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