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A importância da Vigilância Epidemiológica dos Diagnósticos de Enfermagem


Pedro Melo

Especialista em Enfermagem Comunitária. Professor auxiliar convidado do Instituto de Ciências da Saúde / Escola de Enfermagem da Universidade Católica Portuguesa

Uma nova era na epidemiologia



Nunca se falou tanto de epidemiologia como nos últimos tempos. Se antes era uma ciência oculta, entre tantas outras muito evidentes no dia-a-dia dos cidadãos, hoje é a evidência no destaque dos media e no destaque da nossa própria perceção como cidadãos para tomarmos decisões sobre a nossa vida diária. Etimologicamente, “epidemiologia” significa o estudo sobre o que afeta a população (epi= sobre; demio= povo; logos= estudo).

Mas, desde a sua origem, no séc. V antes de Cristo, começou por centrar-se no estudo da relação das doenças com o ambiente (ainda sem processos muito estruturados). Hipócrates, no seu clássico “água, ares e lugares”, faz uma interessante explicação da relação do ambiente com as doenças, com os recursos que então existiam.

A revolução francesa contribuiu significativamente para a epidemiologia clássica, realçando os fatores da saúde como um auxílio importante na análise das desigualdades entre os pobres e as classes mais altas. Foi Napoleão de Bonaparte um dos impulsionadores da formação de médicos, que depois contribuíram para o desenvolvimento de obras que demonstraram os efeitos dos tratamentos de então (como as sangrias) no controlo de certas doenças.

Em Inglaterra, John Snow foi um importante impulsionador da epidemiologia quando estudou a relação da propagação da cólera em Londres com as condutas de água.

Mais tarde, na Austrália, por exemplo, os estudos epidemiológicos de Gregg sobre as malformações congénitas e a sua relação com a rubéola contraída pelas grávidas foram muito importantes para promover a adesão à vacinação contra a rubéola das mulheres em idade-fértil.

Mas nem só de doenças se alimentou a epidemiologia. Florence Nightingale, no contexto dos seus estudos sobre as causas de morte dos soldados na guerra da Crimeia, veio demonstrar, com gráficos inovadores (que na época foram altamente impulsionadores da introdução da estatística na epidemiologia), a relação das mortes com causas ambientais e organizacionais.


Pedro Melo

Nos últimos anos, os grandes desenvolvimentos da epidemiologia foram a passagem do foco nas doenças infeciosas (epidemiologia clássica) para as doenças não declaradas e, mais tarde, as doenças associadas aos comportamentos (como a diabetes ou a hipertensão arterial).


Esta evolução natural da epidemiologia muito centrada nas doenças (pelo impacto do modelo biomédico no desenvolvimento das outras ciências aplicadas, como o é a própria epidemiologia) tornou a epidemiologia clássica e moderna ainda numa quase patologia demográfica, mais do que um estudo sobre os povos.

É nesse sentido que proponho partilhar o desenvolvimento de uma epidemiologia pós-moderna, verdadeiramente centrada nas pessoas e que se está a começar a implementar.

No contexto do estudo dos fenómenos relacionados com as infirmezas centradas  nos processos intencionais (conhecimentos, crenças, valores), nos processos não intencionais (como as doenças já estudadas) e nos processos de interação com o ambiente (físico, económico, social, cultural), surge a Vigilância Epidemiológica dos Diagnósticos de Enfermagem (VEDE).

No Nursing Research Lab, Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde da Universidade Católica Portuguesa, no projeto “MAIEC - Community Empowerment and Nursing Decision Making”, surgem os primeiros estudos epidemiológicos dos diagnósticos de Enfermagem com epicentro nas unidades de Saúde Pública de vários ACeS da região Norte de Portugal.

Foram criados os Observatórios dos Diagnósticos de Enfermagem (ODE) e estão a ser promovidos processos de empoderamento das comunidades ACeS (Agrupamentos de Centros de Saúde) para potenciar a VEDE.


Neste momento, existe já um conjunto de evidência científica publicada e em produção, com um impacto muito relevante no contexto nacional e internacional, que demonstra a importância da VEDE e o contributo dos indicadores sensíveis aos cuidados de Enfermagem para a fotografia epidemiológica das populações.

Já conseguimos potencialmente perceber, por exemplo, para além da prevalência da Diabetes, a prevalência da Gestão do Regime Terapêutico comprometida nas pessoas com diabetes. Este dados irão revolucionar a compreensão do impacto económico dos cuidados às pessoas, além dos tratamentos às doenças.

Com a evolução desta epidemiologia pós-moderna, estou convicto de que teremos uma imagem muito mais consolidada e complementada da saúde das populações, permitindo a evolução das importantes epidemiologias clássica e moderna, com o contributo dos enfermeiros que legalmente estão habilitados para a vigilância epidemiológica, a gestão de programas e projetos, a capacitação de grupos e comunidades e o planeamento em saúde – os enfermeiros especialistas em Enfermagem de Saúde Comunitária e de Saúde Pública.



O artigo pode ser lido na edição de novembro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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