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Opinião

Uma nova ambição para o Hospital Público


Alexandre Lourenço

Presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH)



O Hospital Público é uma construção extraordinária dos Portugueses. Um país pobre, e com acesso muito limitado a cuidados de saúde, soube agregar conhecimento, tecnologia e recursos para desenvolver um sistema de saúde capaz, onde antes existia quase nada. Devido à qualidade dos profissionais e ao investimento público, em muitos indicadores, o Hospital Público ombreia com as unidades dos países mais desenvolvidos.

A determinação, o conhecimento e a organização elevaram o Hospital Público português para patamares apenas acessíveis a outros níveis de riqueza. Vejamos, por exemplo, os programas de transplantação ou a adoção da cirurgia de ambulatório.

Em 2018, segundo o Conselho da Europa, Portugal foi o sétimo país europeu com maior número de transplantes por habitante. A progressão da cirurgia de ambulatório em Portugal é um exemplo internacional.

Em 2019, 66,1% de todas as cirurgias foram realizadas em regime de ambulatório, subindo este valor para 83,2% se apenas considerarmos procedimentos ambulatorizáveis. Estes são exemplos entre muitos, fruto da dedicação e compromisso dos profissionais. Exemplos a que este jornal tem dado eco em cada edição.

Podem as famílias estar satisfeitas?

Fugindo aos casos que nos assolam diariamente através da comunicação social, olhemos para dados mais sistemáticos. Os tempos de espera para cirurgia e, especialmente, para consulta condicionam o acesso dos doentes aos cuidados necessários. Para além de mais de 40% da população ter aderido a um sistema de proteção de saúde alternativo ao SNS, Portugal é o país europeu da OCDE com mais pagamentos diretos em momento de doença – um número duas vezes mais elevado que a média europeia.

Em termos de cobertura, o sistema de saúde português (incluindo, ADSE, SAMS, seguros privados, etc.) apenas garante 69,5% das despesas em saúde. Cobertura que tem vindo progressivamente a diminuir nos últimos anos. Uma em cada dez famílias portuguesas é obrigada a abdicar de bens essenciais, como a alimentação, para pagar cuidados de saúde.


Alexandre Lourenço

Podem os profissionais estar satisfeitos?

Em termos líquidos, o Serviço Nacional de Saúde contratou nos últimos anos perto de trinta mil profissionais. Contudo, existe um problema grave de retenção e de descontentamento dos profissionais de saúde.

A organização do trabalho e o relacionamento laboral encontram-se ultrapassados, sendo necessário um novo contrato social com os profissionais de saúde. Certamente, um modelo mais inclusivo e descentralizado em projetos profissionais adequados às necessidades de cada população.

Podem os administradores hospitalares estar satisfeitos?

Nenhum gestor pode estar satisfeito por não poder tomar as melhores decisões para a sua organização, para os seus profissionais e para os seus utilizadores.

Evidentemente, existe falta de financiamento, de investimento e operacional, no Hospital Público.

Contudo, a maior frustração é aquela que advém de ver o nosso melhor profissional sair por não lhe podermos oferecer outras condições; por ver o melhor interno a sair pelo contrato de trabalho estar no calvário das aprovações; por ver um doente internado ir a uma clínica privada fazer um exame de diagnóstico por termos equipamentos ultrapassados ou avariados.

(Continua em próxima edição)


O artigo pode ser lido na edição de novembro/dezembro do jornal Hospital Público. 

 

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