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Opinião

Tratamento para a asma e DPOC: «Os principais erros cometidos na utilização de inaladores»


Maria do Carmo Cordeiro

Enf.ª especialista em Enfermagem de Reabilitação. Mestre em Saúde e Aparelho Respiratório, USP Prof. J. Pereira, ACES Loures-Odivelas. Membro do GRESP - Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias da APMGF.



A terapêutica inalatória constitui a base do tratamento para a asma e DPOC e consiste na toma regular e diária de fármacos inalados através de dispositivos (inaladores) que têm como principal função conduzir e depositar o fármaco nas vias aéreas, para aí se obter o seu efeito terapêutico.

Atualmente, em Portugal, existe uma variedade de inaladores para o tratamento farmacológico da DPOC e asma. Cada um deles tem instruções específicas, diferem entre si pelo seu design, fármaco que disponibilizam, particularidades e especificidades na preparação, ativação da dose e tipo de inalação em função do inalador prescrito.

Requerem várias etapas de preparação do mesmo antes da inalação e exigem que os utentes sejam detentores de um conhecimento correto sobre as mesmas, destreza manual e coordenação para as efetuar com sucesso. Quando incorretamente usados por parte do utente faz com que não usufrua dos benefícios do fármaco inalado e, assim, fica comprometida a adesão à terapêutica e o controlo da sua doença.

Apenas um em cada 10 utentes executa todas as etapas

A verdade é que os erros relacionados com o manuseio dos inaladores são comuns nos utentes com DPOC e asma. São vários os erros que observamos na nossa prática clínica e relacionam-se com o facto de não serem respeitadas as instruções específicas de cada inalador pelo próprio utente, ou pelo facto de não se compreender a finalidade do mesmo. Ou por o seu uso correto ser mal compreendido pelo utente, o que também pode levar a uma resistência para usar os inaladores prescritos e a erros de utilização.

Sabemos que até 92% dos utentes que usam inaladores cometem, pelo menos, um erro crítico na utilização do seu inalador e dizem-nos os estudos que apenas um em cada 10 utentes executa todas as etapas de utilização correta do seu inalador prescrito.


Maria do Carmo Cordeiro

Erros em função do dispositivo prescrito

Podem ser muitos os erros na utilização dos inaladores. O seu tipo e frequência variam em função das particularidades e especificidades do dispositivo prescrito.

Em alguns modelos é necessária a agitação prévia durante alguns segundos, como nos inaladores pressurizados doseáveis, quer sejam utilizados isoladamente e/ou acoplados a câmara expansora. E noutros é necessário inserir uma cápsula contendo o fármaco, como, por exemplo, nos inaladores de pó seco de unidose, ou carregar a dose, como acontece nos de multidose.

De forma sumária, os erros mais comuns na utilização de inaladores pressurizados (conhecidos na gíria popular como “bombinhas”) são:

- Não agitar o inalador;
- Não realizar a coordenação “mão-pulmão”;
- Não realizar a pausa inspiratória de 10 segundos;
- Não esperar os 30 segundos a 1 minuto para nova inalação;
- Não agitar novamente se se tiver que repetir nova inalação.

Nos inaladores de pó seco unidose observamos:


- Perfurar várias vezes a cápsula e não retirar os dedos do botão ou botões laterais aquando da inalação;
- Colocar as cápsulas em dispositivos que não os recomendados pelo fabricante;
- Engolir as cápsulas em vez de inalar;
- Soprar para dentro do dispositivo em vez de inalar (inspirar).

Nos inaladores de pó seco multidose é frequente:

- Não ativar o dispositivo;
- Perda do pó antes da inalação;
- Expiração para o dispositivo (soprar);
- Débitos inspiratórios insuficientes;
- Repetir doses – “ausência de provas”;
- Utilização de dispositivos vazios.

Por último, no inalador de névoa suave:

- Rodar a base com a tampa aberta e ocorrer libertação de doses inadvertidamente;
- Não rodar completamente a base até ouvir o click;
- Fazer só uma inalação, em vez das duas inalações diárias.

Erros transversais

Há, contudo, erros que são transversais a todos os inaladores, como os relacionados com a técnica de inalação propriamente dita (os ditos 3 passos da técnica inalatória):

- Não realizar a expiração prévia à inalação;
- Expirar em vez de inspirar;
- Não realizar a pausa inspiratória;
- Respirar pelo nariz;
- Inspiração inadequada.

São vários os fatores que podem conduzir a cometer mais erros: os relacionados com o próprio utente (idade, destreza manual/problemas físicos/capacidade para manusear o dispositivo inalatório); o seu perfil inspiratório (lento versus rápido); o nível de literacia (capacidade do utente em compreender os ensinos veiculados pelos profissionais de saúde, o que leva a confundir os passos de preparação e ativação entre os dispositivos e da respetiva técnica de inalação); os problemas cognitivos ou psiquiátricos (por exemplo: depressão, falta de memória); a acuidade visual; as próprias crenças do utente em relação ao tratamento, como, por exemplo, se deve ou não tomar, se é mesmo necessário; a falsa sensação de que está bem, ou devido à própria perceção da doença, desvalorizando os sintomas, ou porque não considera a toma da medicação e o uso dos inaladores como importante no controlo da doença.

Os próprios recursos económicos para adquirir os fármacos, bem como os relacionados com os próprios inaladores (o design, a facilidade de manuseio, a complexidade percebida na preparação e ativação em certos modelos, tudo isso associado ao conforto e à portabilidade são fatores que podem condicionar a adesão ao tratamento e levar à ocorrência de erros).

Identificar utentes com dificuldade no manuseamento do inalador prescrito 

Por outro lado, não nos podemos esquecer que estes utentes, para além da doença de base – a sua DPOC ou asma --, a quem são frequentemente prescritosos fármacos por via inalatória 1 a 2 x dia com os seus inaladores, têm concomitante a toma de medicação para as suas comorbilidades, como diabetes, hipertensão, doença cardiovascular e depressão.

São utentes polimedicados, o que torna a adesão à terapêutica inalatória ainda mais sensível à importância do ensino, do treino repetido e da monitorização regular por parte do enfermeiro.

Neste contexto, os enfermeiros dos cuidados de saúde primários (CSP) têm um papel crucial na educação e no ensino da terapêutica inalatória, estando numa posição privilegiada para promover a adesão ao tratamento farmacológico e para identificar utentes com dificuldade no manuseamento do inalador prescrito e a prática de eventuais erros na técnica inalatória, constituindo todos os momentos com os utentes uma oportunidade para o ensino e revisão da técnica inalatória, seja na Consulta de Enfermagem, na Consulta de Diabetes ou no domicílio.

O enfermeiro deve estar atento, indagar quais os motivos que levam o utente à procura dos cuidados de saúde e valorizar os seus autorrelatos: “Sinto-me mais cansado”, “O meu filho tosse mais durante a noite”. O doente estará a cumprir a sua medicação? Usa corretamente o inalador? Executa corretamente a técnica inalatória? Sente dificuldades no uso dos inaladores? Sabe identificar os fármacos de SOS e de controlo? Compreende o plano de ação escrito e como atuar perante uma crise de asma? O doente está livre de exposição a fatores de risco?


Maria do Carmo Cordeiro numa ação de formação para profissionais, durante as últimas Jornadas do GRESP, em 2019

Uma oportunidade para ensinar, rever e monitorizar a técnica inalatória!

Mas também identificar se o doente está condicionado pelo custo dos inaladores, que pode comprometer a adesão e o controlo e referenciar a situação ao médico assistente. Pelo que a nós enfermeiros cabe-nos um importantíssimo papel no cuidado ao utente respiratório, fazendo com que a parte mais importante do seu tratamento, a adesão à terapêutica inalatória, se realize de forma correta e sem erros críticos na execução da técnica inalatória.

A regra de ouro: Todos os momentos são uma oportunidade para ensinar, rever e monitorizar a técnica inalatória! Neste âmbito, o GRESP - Grupo de Estudos de Doenças Respiratórias tem dinamizado formações dirigidas aos enfermeiros de CSP, capacitando estes profissionais para as melhores práticas no ensino, treino e monitorização da terapêutica inalatória, focando a sua atividade formativa nas temáticas da:

Demonstração e ensino correto ao utente de como funciona o seu inalador (particularidades, especificidades, cuidados de higiene e acondicionamentos do mesmo), cuidados a ter após a inalação dos corticoides, como fazer as tomas; No ensino da técnica inalatória correta dos inaladores e, respetiva check-list, específica de cada inalador.



Artigo publicado na edição de maio do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários - publicação distribuída todos os meses nas unidades de cuidados de saúde primários do SNS.

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