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Opinião

«Pandemia de COVID-19: Terrorismo global e comunicação do risco»


Lúcio Meneses de Almeida

Presidente da Associação Portuguesa de Infeção Hospitalar Médico Assistente Graduado de Saúde Pública



Os agentes microbiológicos e, no caso concreto da mais recente ameaça à Saúde Global (SARS-CoV-2/COVID-19), os vírus, comportam-se como verdadeiros terroristas: não porque tenham intuitos políticos ou outros, mas pela disrupção que a sua mera identificação ou isolamento provocam junto da população.  

Observam-se comportamentos irracionais, não baseados na evidência científica ou epidemiológica, relativamente aos quais os próprios profissionais de saúde não são imunes. Comportamentos, esses, que decorrem do receio milenar das epidemias e dos flagelos associados: morte, sofrimento, escassez de recursos e insuficiência de serviços e, no limite, desagregação da ordem social estabelecida.

O terrorismo define-se pela perturbação social provocada, que é desproporcional aos seus efeitos diretos. Enquanto que o objetivo da guerra são as “baixas”, o objetivo do terrorismo é perturbar o normal funcionamento da sociedade organizada, interferindo ou condicionando comportamentos individuais do dia-a-dia.

Verifica-se uma sobrestimação e amplificação do risco associado ao acontecimento original, sendo que o controlo desta disperceção do risco obriga a uma cuidada, porque devidamente planeada e apropriadamente executada, estratégia de comunicação do risco.

Nessa medida, os agentes microbiológicos e, em especial, os recentemente identificados, para os quais não existe tratamento ou vacina, ou aqueles com maior infecciosidade e menor estabilidade genómica, como os vírus, assumem o “comportamento” de terroristas, ao condicionar o dia-a-dia de indivíduos e de populações inteiras – seja por evitamento social não justificado, seja pela adoção de comportamentos inapropriados, de que é exemplo o uso de máscara cirúrgica por parte de indivíduos sãos ou não prestando cuidados diretos.

Comunicar o risco individual e clínico é distinto de comunicar o risco a populações ou, mesmo, a comunidades. Relativamente à comunicação do risco em saúde pública, implica, além das competências científicas (expertise) e relacionais (interpessoais), competências institucionais (legitimação pela entidade oficial de afiliação) e comunicacionais (competência em comunicação com a comunicação social).

Sem prejuízo do apoio por parte de profissionais ou assessores da área da comunicação, trata-se de um processo eminentemente científico, uma vez que a competência em todo o processo de avaliação e gestão do risco é um dos mais importantes preditores da efetividade comunicacional.

No contexto presente, de uma quase inevitável pandemia de COVID-19 (face à avaliação do risco global por parte da OMS), a comunicação do risco vai ser determinante na gestão desta ameaça à Saúde Global. Há que garantir uma estratégia de comunicação “a uma voz”, concertada em objetivos previamente identificados.


Lúcio Meneses de Almeida

Objetivos esses que variam consoante a evolução epidemiológica da epidemia e em função da monitorização e avaliação da perceção do risco e da adesão da população às recomendações emanadas pelas autoridades de saúde (behavioural surveillance). Autoridades de saúde que, no nosso País, estão sediadas nos serviços de saúde pública, que são os serviços públicos de saúde responsáveis pela promoção e proteção da saúde das populações.

Importa, ainda, retirar ensinamentos da epidemia de SARS-CoV (2002-2003) que, não obstante o reduzido número de casos confirmados em todo o Mundo (cerca de 8500), teve nos prestadores de cuidados de saúde um grupo de risco.

Quem presta cuidados deve ver asseguradas todas as condições para o fazer em segurança e isso implica equipamentos adequados e em quantidade suficiente, mas também treino e formação na sua utilização (colocação e remoção). A utilização inapropriada ou incorreta de equipamentos de proteção individual deve ser combatida na mesma medida em que a sua utilização adequada deve ser promovida.

Nunca é demais salientar o papel crucial que os grupos coordenadores locais do PPCIRA têm na vigilância epidemiológica/controlo de surtos nosocomiais e na formação e treino dos profissionais de saúde. Mas tal papel é inconsequente na ausência de dotação dos recursos e meios necessários, por parte dos dirigentes de topo das instituições de saúde.

Numa pandemia, somos todos “soldados” da mesma guerra. Todos e cada um -  independentemente da função, profissão ou formação -  somos agentes de saúde pública, numa batalha que é de todos.  Só assim podemos vir a ser bem-sucedidos na estratégia de “ganhar tempo”, até ao desenvolvimento de uma vacina eficaz.

Mas para que tal aconteça, é essencial que não nos deixemos render psicologicamente a este novo terrorista global que é o SARS-CoV-2/COVID-19.


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