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Opinião

Pandemia de Covid-19: O agora e o depois


Lúcio Meneses de Almeida

Presidente Associação Portuguesa de Infeção Hospitalar Médico Assistente Graduado de Saúde Pública



Escassas semanas depois da notificação, pela China, de um conjunto de casos de pneumonia por um novo agente infecioso (SARS-CoV-2), a OMS declarou, no passado dia 11 de março, a segunda pandemia do século XXI.

A evolução do número de casos, em todo o Mundo, tem sido absolutamente vertiginosa. Mesmo para quem tem conhecimento e experiência na área. Presentemente, a quase totalidade dos países conta com casos confirmados, sendo que na maioria desses países a transmissão é local. Portugal encontra-se no limiar da transmissão comunitária generalizada.

As equipas de Saúde Pública tentam, por todos os meios, identificar e quebrar cadeias de transmissão ativas e, mais recentemente, surtos em ambiente fechado: trata-se duma missão heroica porque condenada, à partida, ao insucesso….

É, em tudo, semelhante a uma guerra, em que algumas tropas se sacrificam para que o restante exército se organize e não colapse… E a verdade é que falar em pandemia é falar em guerra. Guerra que tem como soldados não só os profissionais de saúde, mas toda a sociedade civil.

A letalidade da doença pelo SARS-CoV-2 (COVID-19) recorda um passado que julgávamos distante, porque impossível de repetir, face aos avanços tecnológicos e assistenciais: o da gripe pandémica de 1918, que se estima ter causado entre 50 a 100 milhões de mortos em todo o Mundo.

As imagens de Itália, país do “primeiro Mundo”, com doentes apinhados em instalações improvisadas, hospitais em rotura instalada e comboios militares a caminho de crematórios, fazem a Europa civilizada tremer de pavor, devido a uma doença, pela primeira vez em várias gerações.


Lúcio Meneses de Almeida

As notícias de lares, em Espanha, com idosos convivendo com cadáveres e votados ao abandono por quem tem a missão e a profissão de deles cuidar ou, ainda, a perseguição a asiáticos, reportada nalguns países da Europa, faz-nos retornar verdadeiramente aos tempos medievais.

Não sendo possível prever a evolução da pandemia de COVID-19, apenas temos a certeza de que o seu controlo só é possível com a disponibilização de uma nova vacina. Até lá, só dispomos de intervenções não farmacológicas, de saúde pública, que consistem no distanciamento social e na higiene das mãos e etiqueta respiratória.  É a estratégia do “ganhar tempo”, permitindo a organização das redes hospitalar e de cuidados primários para um impacto brutal e inevitável.

Mitigação ou supressão? A primeira, traduzida no “aplanar” da curva epidémica, em jeito de “incêndio” controlado; a segunda, tendo como objetivo “apagar o fogo”, mas expondo as populações a um risco tanto maior quanto maior o tempo até à disponibilização de uma vacina pandémica.

A imunidade naturalmente adquirida pela infeção permite ir constituindo um corpo de “guarda costas” imunitários da restante população. Ou seja, concorre para a imunidade de grupo. Acresce que a mitigação, ao “espraiar” os casos que continuam a ocorrer, funciona como uma “almofada” para a rede de serviços de saúde: para o mesmo número de doentes, é completamente diferente tratá-los numa semana ou num mês….

Já a supressão, tem tanto de benefícios a curto e médio prazo, como de riscos a longo prazo. Expõe populações inteiras ao risco infecioso, uma vez que mantendo a sua suscetibilidade. A China experienciou, com aparente sucesso, uma primeira onda, mas, seguramente, que irá sofrer mais ondas pandémicas até ser constituída uma proporção suficiente de recuperados da infeção.

Não estamos perante o fim do Mundo, mas estaremos, com toda a certeza, perante um novo Mundo. Mundo que passou a percecionar a vulnerabilidade às doenças como já não ocorria desde 1918. A arrogância perante a natureza, induzida pelos desenvolvimentos científicos e tecnológicos da Medicina, colapsou perante esta nova realidade….

Mas é fundamental que não colapsem os princípios morais e de solidariedade que organizam a nossa sociedade. Numa pandemia, a solidariedade é do interesse de todos. Uma epidemia por um novo vírus não tem grupos de risco de infeção: somos todos suscetíveis, pelo que ao proteger a saúde dos outros (individual ou nacional) estamos a proteger a nossa.

A declaração do estado de emergência obriga, da parte de todos, ao cumprimento escrupuloso do distanciamento social. Permanecer em casa, com a exceção dos grupos profissionais considerados essenciais, é um dever cívico e moral. Obriga, ainda, a combater boatos e rumores e a contribuir para a salvaguarda da saúde dos profissionais de saúde, ao não utilizar equipamentos de proteção individual, necessariamente escassos num contexto epidémico e de procura global.

Em suma, ser solidário é contribuir para o esforço de guerra. Guerra que ameaça pilares da nossa sociedade organizada. E um dos pilares fundamentais é a proteção dos mais vulneráveis, como é o caso dos idosos, das grávidas e das crianças.

Estou confiante de que prevalecerá a solidariedade nacional e internacional. Mas se, por alguma razão - que considero, apenas, em teoria –, isso não vier a acontecer, nada travará a pandemia, a não ser a sua própria história natural, e a Humanidade sairá, definitivamente, derrotada…

 

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