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Opinião

«Exclusividade opcional: uma solução para o SNS»


Miguel Guimarães

Bastonário da Ordem dos Médicos



O trabalho em regime opcional de dedicação exclusiva no Serviço Nacional de Saúde (SNS) está para os médicos como a centralidade dos serviços nos doentes tem estado para os cidadãos. Isto é, publicamente todos – dos políticos às administrações hospitalares – defendem estas medidas para a revitalização e fortalecimento do SNS, mas na prática ninguém avança no sentido de se tornar a exclusividade opcional (ou a centralidade do cidadão) numa realidade. Resta entender porquê.

A dedicação exclusiva opcional dos médicos tal como existiu até 2009 (excluída dos novos diplomas da carreira médica em agosto por iniciativa do Ministério da Saúde) permitiu que muitos médicos tivessem optado por trabalhar num regime que potencialmente beneficiava o SNS e acrescentava algumas maisvalias aos profissionais, em especial àqueles que optavam por ter um horário de 42 horas semanais e disponibilidade alargada para se concentrarem em pleno na missão e atividades dos seus respetivos serviços.

Mas os responsáveis políticos nunca lidaram bem com as questões financeiras associadas à dedicação exclusiva e preferiram sempre exacerbar a potencial promiscuidade entre os setores público e privado. Nada mais contraditório para quem tem o poder de decisão!

De resto, as razões financeiras “falaram mais alto”. E, em agosto de 2009, aquando da publicação de novos diplomas da carreira médica, foi passada, pelo Ministério da Saúde de então, uma certidão de óbito à dedicação exclusiva, por demasiados médicos estarem a solicitar essa opção.


Miguel Guimarães

Segundo os dados da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), em 2008, um ano antes de ditado o fim da dedicação exclusiva, existiam 8228 médicos neste regime com 42 horas semanais, 486 com dedicação exclusiva a 35 horas e 291 com dedicação exclusiva e disponibilidade permanente – o que totaliza mais de 9000 médicos, mais de 45% do total de médicos naquela altura no SNS.

Os dados de 2017 indicam que em apenas uma década o número de médicos com 42 horas semanais caiu para 3620. Nas categorias de 40 horas e 35 horas não é discriminada a informação sobre quantas pessoas têm dedicação exclusiva.

A exclusividade é muitas vezes abordada de forma simplista e perniciosa, fazendo-se crer que é uma medida que visa acabar com supostas promiscuidades dos médicos que trabalham nos dois setores. Não negando que possam sempre existir casos que merecem ser avaliados, a verdade é que, no essencial, esta é uma falsa questão.

O mais fundamental reside no facto de que a exclusividade opcional permitiria, respeitando a liberdade individual dos médicos, manter a massa crítica mais experiente no SNS e atrair os jovens talentos que permitem a renovação do sistema e a manutenção de condições de trabalho saudáveis, que permitissem conciliar a vida profissional com a pessoal e com projetos inovadores, proporcionando cuidados de qualidade aos doentes.

Porque, não tenhamos dúvidas, a perda da capacidade ou da qualidade da formação de novos especialistas no SNS representará uma sentença de morte a curto prazo.

A saída de especialistas tem tido impacto direto no acesso dos cidadãos a cuidados de saúde no SNS, mas também tem dificultado a formação de novos profissionais, pese embora o grande esforço que a Ordem dos Médicos tem feito para maximizar a idoneidade e capacidade formativa dos vários serviços, preservando a qualidade da formação.

A linha vermelha está perto de ser ultrapassada naquela que é a balança entre os médicos que trabalham no SNS e os que trabalham só no setor privado e social.



Artigo publicado no jornal Hospital Público de setembro/outubro 2019.

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