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Opinião

A abordagem biopsicossocial e multiprofissional da Saúde Mental nos cuidados primários


Martino Gliozzi

Coordenador da USF da Baixa (Lisboa)



A maioria dos problemas de saúde mental é abordada nos cuidados de saúde primários (CSP), como faz sentido que seja. Além disso, devido ao estigma em torno das patologias mentais, as pessoas tendem a falar mais das suas dificuldades com o médico de família em vez de recorrerem, em primeira instância, ao médico psiquiatra ou ao psicólogo.

Nos últimos anos, os especialistas de MGF têm cada vez mais competências na comunicação em saúde como também em abordar e, quando necessário, tratar os problemas de saúde mental, devido a uma melhor formação nesta área durante o internato.

Na USF da Baixa, por exemplo, os médicos não utilizam a bata, no sentido de tentar diminuir as barreiras que podem existir com os utentes, ajudando, assim, a criar relações terapêuticas, o que eventualmente pode ser mais útil quando começamos a trabalhar uma nova lista de utentes.


Martino Gliozzi

O facto de o médico de família ter uma visão holística de cada indivíduo também é uma mais-valia. Não olhamos apenas para um órgão ou sistema, mas para a pessoa no seu todo, nunca esquecendo a saúde física e psicológica, mas também a sua realidade social. Afinal, a saúde e o bem-estar estão dependentes de vários determinantes. O desemprego, a exclusão social ou o isolamento podem ser importantes fatores de desenvolvimento ou agravamento das perturbações mentais, tal como a depressão e a perturbação de ansiedade, entre outras.

Na nossa USF há muitas populações imigrantes (94 nacionalidades diferentes) e deparamo-nos com situações muito delicadas, tais como mulheres com depressão, com dificuldade de integração na comunidade e que, para melhorarem o seu estado de saúde, podem beneficiar de apoio para criar laços em Portugal.

Saúde mental em Portugal e no Bangladesh

Um dos projetos que desenvolvemos foi o Bengalisboa Community Health Project. Trata-se de um projeto de saúde comunitário, criado em 2016 com o objetivo de melhorar os cuidados de saúde prestados à comunidade imigrante do Bangladesh, estabelecendo uma ponte entre a comunidade e os profissionais do SNS, atenuando assim as barreiras culturais e linguísticas.

O último encontro promovido junto desta comunidade – que é mais prevalente entre os estrangeiros inscritos na nossa USF – teve como tema “A depressão”.


Martino Gliozzi com Cristiano Figueiredo, o médico de família que tem estado particularmente envolvido na promoção do projeto da prescrição social

No Bangladesh, a saúde mental é tema tabu e o suicídio é considerado ilegal. Apesar de em Portugal não existir esta realidade, os imigrantes preferem sofrer sozinhos e não pedir ajuda por causa do estigma na comunidade.

Com este encontro pretendemos informar e sensibilizar para a importância de se pedir ajuda perante determinados sintomas, além de se ter realçado que a saúde mental em Portugal não é tratada da mesma forma que no Bangladesh.

A prescrição social ainda é um conceito novo em Portugal

Outro projeto, que se iniciou na última semana de setembro, prende-se com a prescrição social. O que se pretende é detetar as situações sociais que podem afetar o estado de saúde das pessoas. O médico e o enfermeiro conseguem perceber qual é o contexto socioeconómico dos utentes e, sendo necessário, referenciam o caso para a assistente social, que vai, por sua vez, fazer um diagnóstico social e ver onde se pode agir.

Desde final de setembro, já temos uma plataforma que permite referenciar à assistente social, que vai prescrever soluções para cada pessoa. Para isso, contamos também com várias associações e ONG, IPSS e junta de freguesia/Câmara Municipal de Lisboa.

É muito importante perceber que determinados problemas de saúde não vão melhorar se não apostarmos em medidas sociais; as próprias idas desnecessárias às urgências devem-se, também, à falta de uma ligação entre o social e a saúde. Por exemplo, um utente com depressão pode conseguir ultrapassar esta condição se conseguir criar laços na comunidade, participando em diversas atividades, como dança, trabalhos manuais, etc.

A prescrição social ainda é um conceito novo em Portugal e é difícil demonstrar a sua eficácia com estudos quantitativos, mas é evidente que há melhorias significativas na saúde quando também se têm em conta os chamados determinantes sociais de saúde, tais como desemprego, literacia e condições socioeconómicas, entre outros.


Elementos da equipa da USF da Baixa, poucas semanas após a unidade abrir portas, durante uma reportagem da Just News

Além destas iniciativas, também criámos panfletos, em sete línguas, com informações sobre o funcionamento do SNS português, para incentivar ao empowerment e ajudar na utilização do SNS e na integração.

Todo este trabalho só será eficaz se se desenvolver envolvendo todos os intervenientes, como médicos, enfermeiros, secretários clínicos, assistentes sociais, psicólogos e associações da comunidade.



Artigo publicado na edição de dezembro do Jornal Médico dos cuidados de saúde primários.

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