USF Vale do Sorraia: Um «mini-hospital» que evita muitas deslocações à urgência

Inserido num meio marcadamente rural e industrial, o município de Coruche é dos maiores de Portugal em termos de área, mas a sua população é reduzida e encontra-se bastante dispersa.

Como forma de evitar que percorram 40 km para chegar ao Hospital Distrital de Santarém, a USF Vale do Sorraia, que dá resposta a todos os habitantes de Coruche, tem procurado oferecer recursos diferenciados, atendendo às características dos seus utentes. O projeto de controlo da obesidade infantil na Lezíria e o próprio Serviço de Atendimento Complementar são alguns exemplos.




Panóplia de recursos disponibilizados fazem da USF um “mini hospital”

Por concentrar duas fábricas de arroz e uma corticeira e ter grande atividade agrícola, Mileta Gomes, coordenadora da USF, explica que o concelho emprega muita gente, "inclusive população estrangeira, nomeadamente indianos, nepaleses e brasileiros". Por essa razão, acabam por recorrer ao Centro de Saúde muitos utentes que sofreram acidentes de trabalho.

“Já recebemos aqui casos de cortes da mão e de dedos com arrancamento de tendão, bem como cortes das pernas motivados por motosserras ou javalis”, exemplifica a médica, em entrevista à Just News, a propósito da recente reportagem publicada no Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários.



Mileta Gomes

Esses casos são acolhidos no Serviço de Atendimento Complementar (SAC) do Centro de Saúde de Coruche, cuja reposta é assegurada diariamente pela equipa da USF, entre as 8h e as 20h, exceto aos domingos e feriados, em que médico e enfermeiro de outras unidades ou empresas garantem o seu funcionamento. No SAC são atendidos utentes quer da USF, quer esporádicos.

Constituído por uma sala de observação e outra de diretos, um espaço de pequena cirurgia e gessos, e uma sala de inaloterapia, este Serviço permite, muitas vezes, que os utentes vejam as suas condições resolvidas no meio onde vivem, sem necessidade de recorrerem ao hospital, que dista 40 km do centro de Coruche e 70 km de algumas habitações. “Conseguimos fazer espirometria e MAPA 24 horas, exames que não estão disponíveis em todas as unidades”, refere.



O equipamento de raio-X e o aparelho de eletrocardiograma, que se encontram sob a dependência da URAP, são um complemento importante dos recursos do SAC, ao auxiliar do diagnóstico diferencial de determinados problemas.

“Perante suspeita de fratura, pedimos à técnica a realização de raio-X no imediato e, se concluirmos que não há, evitamos que os utentes tenham de percorrer 40 km até ao Hospital Distrital de Santarém para fazer esse exame e regressarem com um analgésico. Existindo uma fratura que esteja alinhada, conseguimos colocar gesso ou uma tala de zimmer”, afirma, acrescentando que, “caso haja suspeita de pneumonia, é pedido um raio-X ao tórax, e também, perante sintomas de enfarte, solicitado um eletrocardiograma”.

Na sua opinião, a existência destes recursos é “uma mais-valia, principalmente atendendo ao elevado número de acidentes de trabalho e até mesmo domésticos que acontecem, principalmente referentes a quedas de idosos”.

Mileta Gomes adianta que para esta “habituação da população em recorrer ao SAC” também contribuiu o facto de, anteriormente, ter funcionado ali um Serviço de Apoio Permanente (SAP), 24 horas por dia, e, antes ainda da criação do edifício, ter existido o Hospital da Santa Casa da Misericórdia de Coruche.

Com o início da pandemia, o SAP acabou por encerrar, na sequência da indisponibilidade dos colegas que asseguravam a atividade durante o período noturno, domingos e feriados. Anteriormente, foi pensada a hipótese de ser criado um Serviço de Urgência Básica (SUB), contudo, os requisitos não foram reunidos devido à falta de recursos humanos e materiais.


A coordenadora da Unidade esclarece que a intersubstituição, em situações de ausência de elementos das equipas de saúde, também é assegurada no SAC.

Nesse sentido, habitualmente, cada microequipa de médico e enfermeiro realiza ali um período de pelo menos seis horas, durante a semana, e 12 horas, ao sábado, de forma rotativa.

Na sua ótica, outra das mais-valias resultantes desta resposta oferecida é “a aprendizagem que os internos conseguem receber ao depararem-se com várias situações e procedimentos, como a colocação de gessos, a realização de suturas ou a interpretação de exames de raio-X”.



Criar projetos atendendo às necessidades da comunidade

Como forma de “atender às necessidades da população e demonstrar aos internos que é possível dinamizar novos projetos nas USF”, a equipa tem vindo a implementar alguns, nos últimos anos, e pretende lançar outros mais.

Apercebendo-se de que, na altura da pandemia de covid-19, “as crianças estavam cada vez mais sedentárias e ligadas às tecnologias, o que se refletia no aumento de peso”, Mileta Gomes e a sua interna, Carina Oliveira Dias, em conjunto com mais quatro elementos, criaram o projeto CoOL – Controlo da Obesidade infantil na Lezíria.

“O objetivo foi oferecer às crianças entre os cinco e os nove anos uma consulta específica onde se pudesse identificar a existência de fatores secundários que pudessem levar à obesidade e encaminhá-las para a Consulta de Obesidade Infantil do HDS. As restantes seriam convidadas a fazer o seguimento trimestral ou semestral e multidisciplinar”, elucida.

Neste momento, além de ser integrado por uma equipa de cinco médicas internas, a coordenadora e duas enfermeiras, este projeto conta ainda com a participação de uma nutricionista, que também faz o seguimento da criança e dos pais em consulta. Soma-se ainda uma psicóloga, que realiza sessões com grupos de até seis crianças, procurando promover a discussão de vários assuntos, como a perceção da imagem corporal.




De forma a “cativá-las a fazer mais algum exercício físico além do que praticam na escola”, conseguiram ainda envolver a comunidade e juntar ao projeto os clubes desportivos locais, fazendo com que as crianças tenham alguma benesse na sua inscrição.

Depois de algumas dificuldades iniciais, após a sua apresentação em janeiro de 2021, Mileta Gomes prevê que o projeto “possa agora solidificar-se e entrar ‘em velocidade de cruzeiro’”.

Na mesma altura, fruto da sua participação num curso ligado à dor e ao aparelho musculoesquelético, onde realizou um projeto integrado com três internos de Reumatologia do CHULN sobre gota, implementou também o projeto GAP (Gout Arthritis Pathway), através de uma consulta dirigida a esse grupo de doentes.


Nesse âmbito, Mileta Gomes, as suas duas internas e a sua enfermeira dão resposta aos utentes da USF que se encontrem perante crises de gota de difícil controlo. A médica de família adianta que esta patologia é “muito frequente nos homens desde a idade jovem, estando muito associada ao consumo de álcool que, em Coruche, tem uma prevalência elevada”.



Por sua vez, “se for criado um plano, feito um ajuste terapêutico – dado haver muitos medicamentos que elevam o ácido úrico – e mantido o seguimento, é possível controlar a sintomatologia, marcada por dores articulares, e evitar as crises”.

Perante casos mais difíceis ou que exijam a necessidade de tratamento hospitalar, é estabelecida articulação com os colegas de Reumatologia do CHULN que, ”geralmente, convocam os doentes em menos de um mês”. De forma a encurtar a distância que têm de percorrer, a equipa está a trabalhar a articulação com o Serviço de Reumatologia do Hospital de Santarém.

Com o objetivo de reduzir o consumo de tabaco, a equipa disponibiliza ainda uma Consulta de Cessação Tabágica, realizada por três médicos e dois enfermeiros.



Futuramente, têm a ambição de vir a criar carteiras adicionais de Pequena Cirurgia e de Dermatologia, sendo que a primeira seria “a de mais fácil implementação, por já estar organizada noutras unidades, que serviriam de exemplo”.

A nossa interlocutora reconhece que a possibilidade de “programar pequenas cirurgias, para drenagem de abcesso ou colheita de lesão cutânea para análise, por exemplo, e referenciar já com uma histologia feita seria uma forma de reduzir a afluência dos utentes ao meio hospitalar”.




A reportagem completa pode ser lida na edição de dezembro do Jornal Médico dos Cuidados de Saúde Primários.

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